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É HISTÓRICA A INFORMAÇÃO? CARTAS A UM VENDAVAL: ou preâmbulos diltheyanos a uma epistemologia histór

A argumentação orientada para a origem e a fundamentação da Ciência da Informação tem recebido críticas de reflexões recentes, como aquelas oriundas de uma abordagem neodocumentalista, em Buckland (1991), Frohmann (2004, 2009, 2011) e Day (2001, 2005), por exemplo, e aquelas advindas do ponto de vista hermenêutico-retórico, como em Capurro (1992).

Sob o ponto de vista de uma teoria do conhecimento em Dilthey (2010), atenta às distinções teóricas entre ciências humanas e ciências da natureza, cabe-nos demonstrar que a historicidade que deva à constituição da Ciência da Informação como discurso legitimado, fruto de controversas tentativas de fundamentação na procura por uma teoria geral da informação, ainda presente em debates como de Hjorland & Albrechtsen (1995) e Ingwersen (1996), é fundadora do campo em sua condicionante social, bem como permite uma amplitude crítico-teórica aberta à obscuridade que o objeto informação evoca.

Com Dilthey (2010) reconhecemos como dado mais imediato para o pensamento em ciências humanas aquilo que o filósofo chama de “vivências”. No plano da observação de tais “vivências” reconhecemos o “acontecimento” de uma cientificidade que não estruturada na determinação da natureza. “Ao lado das ciências naturais, e partindo das tarefas da própria vida, desenvolveu-se por si mesmo e de maneira espontânea um grupo de conhecimentos ligados uns aos outros por meio da comunhão de seu objeto. Tais ciências são a história, as ciências econômica e jurídica e a ciência do Estado, a ciência da religião, o estudo da literatura e da poesia, da arquitetura e da música, das visões de mundo e dos sistemas filosóficos e, por fim, a psicologia. Todas essas ciências descrevem, narram, julgam e formam conceitos e teorias em relação ao mesmo grande fato: a espécie humana.’ (DILTHEY, 2010, p. 19)

A enunciação de sujeitos pesquisadores e sujeitos pesquisados no âmbito de tais ciências “distintas” aponta para a compreensão de uma abrangência vasta segundo a perspectiva diltheyana, reunindo indivíduos, famílias, associações, épocas, movimentos históricos, organizações sociais, sistemas de cultura e todo e qualquer estrato social no âmbito que se convenciona tratar como humanidade. Estariam os estudos informacionais abertos à esta pluralidade quando procura se aproximar da categorização das ciências sociais e humanas, mesmo hoje, após a crítica neodocumentalista e hermenêutico-retórica?

Em nossa abordagem crítica, a resposta a esta questão deve, também ela, pautar-se em uma epistemologia histórica: a fundamentação da Ciência da Informação, além de tardia (pós anos 1960) apresenta-se como “não-histórica” (no sentido diltheyano), na medida em que se atenta menos às contradições presentes na busca por uma delimitação dos saberes orientados para as práticas de organização do conhecimento desde o século XIX, e mais às legitimações institucionais de meados do século passado. Em certa medida, a crítica historiográfica de fundo raywardiano (RAYWARD, 1996) já havia apontado isto, bem como a crítica culturalista dayana (DAY, 2005).

Ladeadas à abordagem diltheyana, a visão a-historicista pode ser definida pela a-pluralidade, pela negação das abrangências múltiplas abertas pelo ponto de vista das vivências. A “realidade humano-histórico-social”, segundo as palavras de Dilthey (2010, p. 21), parece escapar dos objetivos centrais da epistemologia informacional (não apenas em seu nascimento). Dedicada à “natureza da informação” (segundo o ponto de vista replicado a partir de Borko (1968)), a Ciência da Informação negligenciou as “vivências” e sua historicidade.

“A história produz relatos sobre o trabalho econômico, sobre povoamentos, guerras e fundações dos Estados. Eles preenchem nossa alma com grandes imagens, eles nos ensinam sobre o mundo histórico que nos envolve. Porém, o que nos comove nesses relatos é principalmente aquilo que é inacessível aos sentidos, o apenas vivenciável, a partir do qual surgiram as ocorrências exteriores, como aquilo que lhes é imanente e ao que elas reagem; e essa tendência repousa sobre um modo de consideração que se dirige de fora para a vida: ela está fundamentada na própria vida: é em torno da vida que gira todo o ruído exterior da história. É aí que vêm à tona os fins, sobre os quais a natureza não sabe nada.” (DILTHEY, 2010, p. 23, grifo nosso)

Fundadas na conexão entre vida, expressão e compreensão, as ciências humanas - geisteswissenschaften no léxico alemão diltheyano, realizam-se no e para o mundo histórico, ou seja, nas margens da dupla-reflexividade anteriormente indicada. Neste sentido, a epistemologia das ciências humanas é, em sua condição de nascimento, uma crítica da faculdade do conhecimento, uma metateoria gnosiológica atenta às possibilidades de conhecer o outro.

A epistemologia histórica abre, pois, a janela das contradições para a compreensão dos modos como o “espírito objetivo” da informação se instaura como ideologia e fundamento para a “história informacional” em curso.

Algumas Fontes:

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

CAPURRO, R. What is Information Science for? a philosophical reflection In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (Ed.). Conceptions of Library and Information Science; historical, empirical and theoretical perspectives. In: INTERNATIONAL CONFERENCE FOR THE CELEBRATION OF 20TH ANNIVERSARY OF THE DEPARTMENT OF INFORMATION STUDIES, UNIVERSITY OF TAMPERE, FINLAND.1991. Proceedings... London, Los Angeles: TaylorGraham,1992. p. 82-96.

DAY, R. Poststructuralism and information studies. Annual review of information scicence social and technology (ARIST), v. 39, p. 575-609, 2005.

DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

FUCHS, Christian. ¿Que és información?. 2008. ANAIS DO PRIMEIRO ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM TEORIA DA INFORMAÇÃO: UM ENFOQUE INTERDISCIPLINAR. Léon (Espanha), 2008. p. 247-316

FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: COLÓQUIO CIENTÍFICO INTERNACIONAL DA REDE MUSSI. 2011. Anais... Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011.

GRAMSCI, António. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

___________. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1991.

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GONZÁLEZ de GÓMEZ, Maria Nélida. A reivenção contemporânea da informação: entre o material e o imaterial. In: Pesq. Brás. Inf, Brasília, v.2, p. 115-134, 2009.

MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural. (Col. Os Pensadores), 1978.

SALDANHA, Gustavo. Viagem aos becos e travessas da tradição pragmática da Ciência da Informação: uma leitura em diálogo com Wittgenstein, 2008. Disponível In: <http//:www.bibliotecadigital.ufmg.br>. Acesso em: 30 maio 2016.

___________. Tradições epistemológicas nos estudos de organização dos saberes: uma leitura histórico-epistêmica a partir da filosofia da linguagem. Liinc em Revista, v. 6, n.2, Rio de Janeiro, 210, p.300-315.

WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1992.

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