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QUEM DESINVENTOU A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO? das disputas por legitimação epistemológica na esfera info

Revisitando a construção historiográfica do campo, encontramos a fundamentação de uma ciência para a informação, em meados do século XX, como partícipe de um “pós-modernismo” científico e da emergência de uma sociedade classificada como “da informação”. Do mesmo modo, tal saber se caracterizaria por uma crítica aos modelos “fechados” de construção do conhecimento e teria adesão direta à epistemologia da complexidade, atenta à pluralidade teórico-metodológica. No entanto, suas condições de legitimação, no período, demarcam um movimento diretamente contrário às mutações das ciências sociais em no decurso dos anos 1950 e 1960, quando encontramos uma vasta crítica ao positivismo e uma procura por modelos distintos de compreensão da realidade social.

É recorrendo a uma espécie de categoria “social” defasada, no que se refere à crítica de uma sociologia do conhecimento, como aquela advinda da Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn, que a "Ciência da Informação", como “nova” ciência, busca sua consolidação na árvore do conhecimento - um “positivismo tardio”, centrando pontualmente nas promessas do “neopositivismo”, que demarca a cientificidade do que se diz “informacional”. O “social”, se existente aqui, resulta da apropriação de um aspecto específico da “positivação” das ciências no século XIX, especificamente, o discurso do positivismo reduzido à linguagem, fruto epistemológico das discussões posteriores ao Tratado Lógico Filosófico de Ludwig Wittgenstein, nos anos 1920.

O novo modelo de pensamento (talvez “social”, e aqui está a margem crítica para o debate dos “estudos sociais da informação”) estava estruturado na possibilidade de efetivação mecanicista dos projetos teóricos de manipulação da linguagem. Em outras palavras, temos aqui, via uma abordagem matemático-estatística, a tentativa de otimização de canais não-humanos de fluxo de signos.

Tal investida histórica como “ciência” colocou o campo no front epistemológico de meados do século anterior, “documentado” por Mills (1975, p. 23). Segundo o autor, em sua Imaginação Sociológica, muito do que se considerava como 'ciência' passou a ser visto como uma filosofia dúbia; muito do que se considerava como 'verdadeira ciência' freqüentemente nos proporciona apenas fragmentos confusos das realidades entre as quais vive o homem” ou, “a palavra ‘ciência’ adquiriu grande prestígio e um sentido bastante impreciso”, ou “a confusão nas Ciências Sociais [...] está envolvida pela controvérsia, há muito travada, sobre a natureza da Ciência.”

O “momento” ou a “esfera acontecimental” do que se diz “ciência da informação”, se tratada ingenuamente apenas sob o ponto de vista terminológico (o aparecimento da definição de tal expressão no encontro do Instituto de Tecnologia da Geórgia, no ano de 1961, sob a abordagem de Robert Taylor) sugere a repercussão de tal confusão epistêmica e, mais ainda, a dificuldade de delimitação do “social” que existiria sobre a prática informacional. O problema da condição social (muito antes da condição “sociológica") dos estudos informacionais torna-se mais crítico neste contexto quando se percebe, no contexto de aparecimento espaço-temporal da expressão “ciência da informação” no universo estadunidense, o abandono da perspectiva “social” da epistemologia de Jesse Shera e a escolha (nos termos de Thomas Kunh, a crença) em um “paradigma” mecanicista, baseado nas abordagens shannon-weaverianas. Em outras palavras, o “acontecimento” de uma ciência para a informação em meados Novecentos representa um afastamento da afirmação “social” do campo, e não sua conformação como parte do “ramo” das ciências humanas e sociais.

No entanto, o contexto de profusão (para não usarmos a insistência da “confusão”) de epistemologias críticas, como abordagem kuhniana, apresenta uma direção mais objetiva para compreender, no âmbito epistemológico-histórico, o “social” presente nos estudos informacionais e sua aderência possível ao “sociológico”. Trata-se, como antecipado, da visão da do campo a partir de um “positivismo tardio”, ou a busca por uma “física sócio-informacional”, aproximando o discurso de nascimento do campo da abordagem comteana. Em outros termos, a CI aparece como um ramo tardio da proposta de uma “física social”. Sim: é possível compreender esta construção a partir do mapeamento, por exemplo, da produção conceitual de Paul Otlet, ignorado no pensamento informacional estadunidense naquele contexto.

Algumas fontes

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