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SOBRE A CONSTRUÇÃO E A DESCONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO ESTADUNIDENSE DE LIBRARY AND INFORMATION SCIENCE

Com o surgimento dos Estados Unidos como um centro global de influência sobre o desenvolvimento do campo informacional, torna-se natural o interesse geral pela constituição curricular dos cursos comprometidos com o ensino de Biblioteconomia e Ciência da Informação nesse país. Um possível exercício de análise e comparação da estrutura curricular nos EUA encontrará no trabalho de Guy A. Marco (1994) relevantes considerações a respeito da estruturação dos programas de Library and Information Science. Em sua análise de 47 programas da área oferecidos nas instituições educacionais norte-americanas, o autor verifica a ausência de um núcleo de conteúdos obrigatórios, que era garantido nos currículos dos anos 1960 e que desapareceram dos programas ofertados na última década do século XX, deixando apenas breves e dispersos vestígios nos cursos dos Estados Unidos.

Segundo dados da pesquisa de MARCO (1994), em 1901 já havia um consenso nos Estados Unidos a respeito de core subjects, ou assuntos centrais obrigatórios que deveriam ser dominados pelos estudantes da library science: uma considerável lista de itens indispensáveis incluía tópicos hoje raros, como é o caso da encadernação, do shelf work (referente à ordenação das estantes) e library buildings (edifícios de biblioteca). No início da década de 1920, esta lista foi reduzida a um grupo fundamental de conteúdos obrigatórios, e os demais tópicos foram designados como eletivos (MARCO, 1994, p. 177). Este foi o ínício da distinção entre disciplinas essenciais e optativas, mas a primeira publicação que marcou a discussão, em detalhes, da composição do núcleo obrigatório, segundo o autor, data de 1953. Apresentado como resultado de um workshop realizado na Universidade de Chicago, o documento surgiu a partir do consenso de seus participantes a respeito de um núcleo de conteúdos obrigatórios constituído pelos temas: seleção de livros, catalogação e classificação, serviço de referência, administração de bibliotecas, história dos livros e das bibliotecas, métodos de pesquisa, comunicação e o papel das bibliotecas na sociedade. (1) E ao longo da década de 1950 as escolas de Biblioteconomia americanas seguiram uma tendência de harmonização de seus programas com as recomendações do referido workshop.

Com a chegada dos anos 1960, reformas educacionais ocorridas nos Estados Unidos abalaram o consenso estabelecido na década anterior. O student-right movement, marcado pela demanda de estudantes pelo direito de escolha do conteúdo a ser estudado, associado à mudança do papel das bibliotecas públicas na sociedade americana, bem como à necessidade de se determinar o que deveria ser ensinado a respeito da aplicação de computadores no trabalho biblioteconômico contribuíram para o surgimento de divergências a respeito do que deveria estar contido no núcleo dos currículos. A partir desse momento nebuloso, a catalogação e a classificação deixavam de fazer parte do núcleo obrigatório do currículo de diversas escolas, história do livro e das bibliotecas desaparecia do core requirements enquanto assomavam disciplinas diversas como processamento de dados e automação de bibliotecas. (MARCO, 1994, p. 178). Como uma tentativa de abarcar os conteúdos antes considerados essenciais, os anos 1970 apresentaram a disciplina integrated fundamentals, obrigatória, em que apareciam ideias básicas de temas como seleção de livros, referência, catalogação, classificação, administração e computer applications, de modo a economizar tempo às custas do nível de cobertura de tais assuntos. Neste mesmo período observou-se o surgimento de normas na IFLA e diretrizes na UNESCO com o objetivo de estabelecimento de conteúdos fundamentais a serem dominados em uma primeira etapa pelos estudantes das library schools antes da apreensão dos conteúdos especializados. Segundo Marco (1994), estes modelos internacionais não causaram impacto prático no contexto norte-americano devido à influência determinante das normas da American Library Association (ALA). As normas desta organização, na ocasião, faziam referência à fundação de uma educação acadêmica e profissional geral, sem apresentar um "currículo modelo" ou um conjunto de conteúdos indispensáveis aos estudantes da área. E apesar do despontar, nos anos 1980, de alguns autores com discursos de reconsideração da ideia do núcleo obrigatório, uma comparação dos currículos norte-americanos dos anos 1990 com as recomendações da IFLA indicaram que os mesmos permaneciam distantes do idealizado pela Federação Internacional. Por sua vez, o integrated fundamentals, que pode ter parecido promissor nos anos 1970, desapareceu por completo dos currículos oferecidos no final do século XX.

Marco (1994, p. 184), em sua perspectiva, apresenta como problemática a questão do princípio da ALA que considera que programas educacionais devem se embasar em objetivos claramente definidos que expressem o que o estudante deve saber e ser capaz de fazer ao final do curso. Considerando que nem sempre os objetivos pré-definidos podem ser alcançados exclusivamente com conhecimentos proporcionados pelo núcleo obrigatório dos currículos, o autor compreende que então nem sempre os estudantes formados podem atender aos objetivos do programa escolhido. Neste sentido, o questionamento de Marco diz respeito à validade de um programa que apresenta entre objetivos do curso tópicos que só podem ser atendidos a partir aquisição de conhecimentos relegados a eventuais decisões dos discentes em obtê-los – ou não – através de disciplinas optativas. Hoje, uma breve visita ao portal da ALA, que segue como referência para as escolas de Library and Information Science nos EUA na atualidade, conferindo a “accreditation” exigida pela maior parte dos empregadores no país, oferece acesso aos documentos a respeito do procedimento e dos critérios de avaliação dos cursos norte-americanos. As normas para a composição dos currículos estadunidenses seguem como normas indicativas e não prescritivas, com o intuito de incentivar a inovação do campo (ALA, 2015). Diante do já considerável lapso temporal entre o trabalho de Marco (1994) e a presente visita às suas contribuições acadêmicas, seriam muito bem-vindos à área novos estudos comparados e internacionais que permitissem compreender a atual caracterização dos currículos norte-americanos, identificando conteúdos básicos abordados nas escolas americanas e comparando os mesmos aos objetivos apresentados atualmente pelos programas estadunidenses, de forma a agregar contribuições úteis para a percepção da relações entre inovação e identidade (“whatandwhy” da Library and Information Science) e enriquecer, assim, o debate epistemológico da Biblioteconomia e Ciência da Informação.

(1) The proper core subjects, as recommended by the worshop participants, were book selection, cataloguing and classification, reference work, administration of libraries, the history of books and libraries, research methods, communication, and the place of libraries in society.

Algumas fontes:

AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION. Standards for Accreditation of Master’s Programs in Library and Information Studies. 2015. Disponível em: < http://www.ala.org/accreditedprograms/standards>. Acesso em: 10 maio 2017.

MARCO, Guy A. The demise of the american core curriculum. Libri, v.4, n. 3, 1994, p. 175-189.

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