top of page

Briet, aquela que nunca viu um antílope: ainda sobre as movimentações neodocumentais

O imaginário simbólico, um composto de linguagens sobrepostas que vão de construções mentais (lembremos outra vez Wittgenstein (1992): podemos pensar em um animal fabuloso, mas com partes de animais já dados em nossa vivência discursiva; exemplo: o centauro – é meio homem, meio cavalo) regidas pela intersubjetividade até tentativas de determinações de identidade, recria o documento.

O “antílope” do zoológico deixa, no ato de entrada no zoológico, de ser “antílope”: é agora um outro discurso. Mas este outro antílope é derivado de outro antílope: outras “indexações” fizeram com que palavra, significado e coisa já fossem tratadas como passíveis de serem documentadas.

Perguntemo-nos: como uma mulher chamada Briet sonhou o Antílope? Não é necessário à Madame Documentation o “contato direto” com antílope para documentá-lo. Não é necessário posto que é impossível este deslocamento: em primeiro lugar, o antílope só existe como “documentado”, não podendo (nem o nome “antílope” nem o “ser vivo” em questão) receber um “contato direto”, como se pudéssemos contemplar a ideia de antílope a cada prática documentária.

O sonho de Briet com um “ser vivo” que nunca viu e que está prestes a indexar (sem o contato com a “coisa”, ou sua “materialidade primeira”, como seu pelo, sua ossatura, sua carne) se dá a partir de um jogo de semelhanças (indícios peirceianos) que se estabelecem segundo a visão de um determinado uso (simbólico).

O bibliotecário, o documentalista, o cientista da informação, todos vivem a “ilusão do contato imediato” com o objeto, seja pela sensibilidade, seja pela consciência. Esta ilusão é provocada pela teia simbólica da linguagem. Eis o Livre simbólico de Otlet (1934), o Livro do Mundaneum.

Como aponta o “pós-estruturalismo” de Foucault (1971, p. 19), influência objetiva do neodocumentalista, “os limites de um livro não são claros nem rigorosamente traçados: nenhum livro pode existir por si mesmo; está sempre numa relação de apoio e de dependência em relação aos outros; é um ponto em uma rede; comporta um sistema de indicações que remetem – explicitamente ou não – a outros livros, ou a outros textos, ou a outras frases.”

Algumas fontes

BRIET, S. Qu'est-ce que la documentation? Paris: Éditions Documentaires Industrielles et Técnicas, 1951. BUCKLAND, M. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, jun. 1991. CAPURRO, R.; HJORLAND, B. The concept of information. Annual Review of Information Science and Technology, v. 37, p. 343-411, 2003. ESTIVALS, R. A dialética contraditória e complementar do escrito e do documento. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 121-152, set. 1981. FOUCAULT, M. et. al. Estruturalismo e teoria da linguagem. Petrópolis: Vozes, 1971. FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004. FROHMANN, B. Revisiting “what is a document?” Journal of documentation, v. 65, n. 2, p. 291-303, 2009. FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: Colóquio científico internacional da Rede MUSSI Mediações e hibridações: construção social dos saberes e da informação. Anais... 2011. Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011. JACOB, C. Prefácio. In: BARATIN, M.; JACOB, C. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: ed. UFRJ, 2008. p. 9-17. LUND, N.W. Document Theory. ARIST, v. 43, n.1, p. 1-55, 2009. LUND, N.W. Document, text and medium: concepts, theories and disciplines. Journal of Documentation, v. 66, n. 5, p. 734-749, 2010. OTLET, P. Traité de documenatation: le livre sur le livre: théorie et pratique. Bruxelas: Editiones Mundaneum, 1934. RANGANATHAN, S.R. As cinco leis da Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.

SALDANHA, G. O fabuloso antílope de Suzanne Briet: a análise e a crítica da análise neodocumentalista. In: XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 2012, Rio de Janeiro. Anais do XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. v. 1. WITTGENSTEIN, L. O livro azul. Lisboa: Ed.70, 1992. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 2o ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
Siga
bottom of page