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Do esquema e das formas simbólicas: a caminho do pensamento bibliológico

O esquema pode ser tomado como um dos elementos abissais do pensamento informacional. Está presente como processo cognitivo e manifestação sociocultural nas práticas de classificação e em sua apresentação – os esquemas de classificação propriamente ditos.

Em Paul Otlet (1934, p. 222), a procura pela “linguagem esquemática” aponta para uma direção final de todo o projeto bibliológico: “L'art d'etablir des schemes (la schematique) doit devenir une branche de la bibliologie: elle est, en tant que celle-ci la theorie de l'enregistrement et de l'exposé methodique des connaissances scientinque”.

Tal procura integra diretamente o desenvolvimento de uma epistemologia da “Ciência da Informação": a reflexão do campo, se reconhecida a partir de alguns discursos (parciais) que apontam para sua procura pela compreensão da produção do conhecimento científico em todos os níveis, encontra objetivamente a ideia otletiana de esquema. Procuraremos demonstrar como o esquema é um fragmento conceitual em diferentes contextos, tempos, espaços e modos de apropriação do pensamento informacional.

Na filosofia, teria sido Kant o responsável por abordar conceitualmente, em um primeiro momento, a ideia de “esquema”. A princípio, seu significado respondia por forma ou figura. No pensamento kantiano, o esquema representa um elemento intermediário entre as categorias e o dado sensível. Sua função seria a de eliminar a heterogeneidade dos dois elementos de síntese, sendo geral como a categoria e temporal como o conteúdo da experiência.

Este esquema, compreendido em Kant como “esquema transcendental”, permite à imaginação criar a imagem de um conceito (discurso da “Crítica da Razão Pura”). Em geral, os esquemas são nada mais do que determinações do tempo e constituem fenômenos ou conceitos sensíveis de objetos de acordo com a categoria determinada. (ABBAGNANO, 2007, p. 416). Por sua vez, o “esquematismo” kantiano representa o comportamento intelectual por esquemas.

Para Japiassu e Marcondes (2006, p. 93) o esquema representa, na teoria do conhecimento kantiana, o elemento que permite a aplicação dos conceitos puros do entendimento (as categorias) à experiência, tratando-se portanto de um elemento mediador entre o entendimento e a sensibilidade. Esta representação mediadora é o esquema transcendental. Trata-se de um produto da imaginação, embora não seja uma imagem. Em outras palavras,

Percebe-se, deste modo, que na visão kantiana o esquema é um produto da imaginação, mas não uma imagem. Trata-se de um conceito que responde pela ideia de um procedimento universal da imaginação que torna possível a imagem final do conceito. Por sua vez, a imagem já é um produto da faculdade empírica da chamada imaginação produtiva. (FERRATER MORA, 1978)

"Enquanto ‘a imagem é um produto da faculdade empírica da imaginação reprodutiva’, o ‘esquema dos conceitos sensíveis, como das figuras no espaço, é um produto e, por assim dizer, um monograma da pura imaginação a priori’ por meio da qual se tornam possíveis as imagens. São exemplos de esquemas: o esquema da grandeza (quantidade, enquanto conceito do entendimento, é o número—enquanto unidade devida ao engendramento do tempo no decurso da apreensão da intuição --; o esquema da substância é a permanência do real no tempo; o esquema da necessidade é a existência permanente de um objecto; o esquema da causalidade é a sucessão temporal do diverso de acordo com uma regra." (FERRATER MORA, 1978, p. 92, grifo nosso)

No neokantiano Cassirer (2011, p. 254), a ideia de esquema, a partir de Kant, tem um impacto objetivo na Filosofia. O esquema (como o “esquema do espaço”), permite à consciência “conquistar a possibilidade de uma nova orientação, obtendo uma direção específica da visão mental, por meio da qual todas as formas da realidade objetiva e objetivada são transformadas”.

Deste modo, na visão cassireriana, os “esquemas transcendentais”, que garantem a relação entre entendimento e sensibilidade, são determinações temporais a priori dadas através de regras. Por meio dos esquemas, a noção de ordem e o conceito genérico de tempo, por exemplo, são definidos.

Há, no entanto, uma diferença clara entre “esquema” e “imagem”, uma vez que a imagem é produto de uma faculdade empírica da imaginação produtiva, enquanto o esquema de conceitos sensuais é um produto, ou ainda, um monograma da imaginação pura a priori, através do qual e de acordo com o qual as imagens inicialmente são possíveis.

Algumas fontes

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CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas; Segunda Parte: O pensamento mítico. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas; Primeira parte: A linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ESTIVALS, Robert. Theorie lexicale de la schematisation. Schéma et schématisation: revue de schématologie et de bibliologie, n. 52, p. 5-72, 2000.

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FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004.

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MALLARMÉ, S. Divagações. Florianópolis: Ed. da EFSC, 2010.

OTLET, P. Letter from Paul Otlet, 24 march 1895. In: VANN, S.K. Melvil Dewey: his enduring presence in Librarianship. Littleton (Colorado): Libraries Unlimited, 1978a. p. 189.

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SALDANHA, G. S.. O esquema e as formas simbólicas: uma 'arqueologia filosófica' do esquema no pensamento bibliológico. Tempo Brasileiro, v. 203, p. 79-102, 2015.

SALDANHA, Gustavo S. Uma filosofia da Ciência da Informação: linguagem, organização dos saberes e transgramáticas. Tese – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT); Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, 2012.

WITTGENSTEIN, L. Tratado Lógico Filosófico; Investigações filosóficas. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

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