O ESQUEMA NO PENSAMENTO BIBLIOLÓGICO: “escavações” de raízes filosófico-empíricas
L'art de 1'ecriture et celui du dessin ont des rapports étroits.
Par example: la miniature et l'ornementation médiévale. (OTLET, 1934, p. 58)
O conceito de esquema ocupa lugar “hipocêntrico”, e se lança em “epicentros” em diferentes contextos dentro do campo informacional.
Paul Otlet já alertava, em seu Traité (1934, p. 79), que existe a necessidade de constituição de uma linguagem esquemática comum, que consistiria na construção de uma expressão diagramática para exposição de toda e qualquer ideia ou consenso – o “esquema”, ainda, como possibilidade de descoberta de algo novo dentro de um processo construtivo, seja como adição ou mesmo como modificação.
A “esquemática” deveria, deste modo, se converter em um ramo da Bibliologia, representando a teoria do registro e da exposição metódica dos conhecimentos científicos. Este movimento tem importância direta tanto na constituição de um escopo científico de discussão (ESTIVALS, 2005), quanto um escopo artístico de criação (ESTIVALS, 2007).
No sentido de nossa “geografia conceitual”, notamos como o processo de apropriação e discussão em torno do “esquema” se dá da passagem de Gabriel Peignot (um dos primeiros solos do discurso, espécie de hipocentro de onde se multiplicam as determinações sobre o “esquema”), para uma vasta apropriação, dispersa objetivamente em Paul Otlet e constituidora de uma grande extensão geo-humana de produção do conhecimento a partir da geração de Robert Estivals, em meados do século XX que se seguem até os dias atuais.
Estivals (1981, p. 122) parte de Paul Otlet – em suas palavras, esquecido há algumas décadas –, afirmando que seu pensamento teórico ainda estava em aberto. De certo modo, enquanto um âmbito – o mundo anglófono substancialmente – se debruçava sobre o conceito de informação dentro da organização dos saberes, o mundo francófono (re)elaborava outros objetos. Para compreender os circuitos do escrito e do documento, Estivals (1981) recorre à análise marxista como também à perspectiva histórica. Seu foco está em demonstrar os sistemas dialeticamente contraditórios e complementares do escrito e do documento.
No Grupo de Pesquisa francês, Estivals (1981) demarca duas visões de mundo: os bibliológos tomam o escrito como produto da expressão da subjetividade humana, a partir de um sistema de signos ou escrita. A escrita se dá a partir de diferentes processos e pode também ser reproduzida. O documento para os bibliólogos é, por sua vez, “toda mensagem fixa manuscrita, impressa”. (ESTIVALS, 1981, p. 214). Mora aqui uma chave central para compreender o esquema bibliológico: sua manifestação simbólico-material na paisagem social.
Algumas fontes
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