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O ESQUEMA BIBLIOLÓGICO E AS FORMAS SIMBÓLICAS

Estivals (2000, p. 68) afirma que o termo synoptique responde diretamente por um adjetivo que acompanha o tableau ao longo da produção nocional nos estudos bibliológicos. Duas ideias estão reunidas nesta relação: o conceito de síntese e o conceito de visibilidade. O primeiro resulta de uma atividade intelectual, o outro de um processo da linguagem. Este último resulta nos conceitos gerais, palavras, planos ou categorias de esquemas linguísticos, ou apenas esquemas metatextuais.

O tableau é abordado por Estivals (2000, p. 70) como sinônimo de matriz (matrice) e indica-constitui uma representação ao mesmo tempo gráfica e simbólica de variações reconhecidas de uma ou mais categorias de fenômenos. Sua apresentação se dá de forma gráfica ou linear, em geral, lançada através de um retângulo ou de um quadrado. Esta visão descritiva, naturalmente, coloca a noção de tableau com uma tendência apenas “visual”. Mais especificamente, esta ideia nocional apontaria quase que unicamente para o uso da ideia de matriz como recurso metodológico para a descrição qualitativa e-ou quantitativa de determinados fenômenos. O resultado é a apresentação, por exemplo, de diagramas, organogramas, redes, esquemas gráficos.

No entanto, o jogo entre intelecto e linguagem é aquele que nos parece mais relevante na construção do conceito de tableau desde o pensamento de Gabriel Peignot, até chegarmos ao conceito de esquema em Paul Otlet. No fundo, como o próprio pensamento estivalsiano nos atenta, o processo de construção do tableau responde pelo e está no conjunto de processos analíticos com intuito de síntese. A representação gráfica de dados em quadros ou matrizes é apenas a consequência sensível deste processo.

A abordagem articulada e aprofundada do conceito de tableau nos chama a atenção para o uso do termo na origem do pensamento bibliológico a partir de Gabriel Peignot e nos convoca outra interpretação das aproximações entre linguagem e intelecção. Em outras palavras, sob a interpretação cassireriana das formações e formas simbólicas, acreditamos que o pressuposto cognitivista do “esquema bibliológico” tecido entre Peignot (1802a,b), Otlet (1934) e Estivals (2000) pode, antes, ser interpretado como processo de construção simbólica – nosso intuito seria verificar como a ideia, por exemplo de “arquétipo” no pensamento bibliológico (trazida por Robert Estivals (2000, p. 26) e correlacionada com Claude Levi-Strauss, Jean Piaget e C. G. Jung) demonstra a complexidade das relações entre mente e linguagem. Neste sentido, o tableau é antes, uma forma simbólica, que uma “entidade cognitiva pura”, quando tratamos de seu estado pré-representativo.

Esta relação nos interessa objetivamente pela aproximação realizada pelo pensamento de Ernst Cassirer entre mito, ciência e arte na tentativa de definição de uma “filosofia do homem”. Uma “arqueologia filosófica do esquema”, tendo como linhagem de aproximação a “filosofia das formas simbólicas” seria útil para demonstrar o impacto do conceito nos estudos bibliológicos e em toda a construção do pensamento dito “informacional” no contexto contemporâneo da epistemologia da Ciência da Informação.

Mais especificamente, no que diz respeito à Bibliologia propriamente dita, ou seja, à ciência geral do livro, do documento e da comunicação escrita (e suas variações), entre Peignot-Otlet-Estivals, compreendemos que o “esquema” revela um fragmento conceitual que reverbera aqui e ali, sob diferentes nomes, e tanto está na construção de uma visão enciclopedista de mundo, ausente das afirmações epistemológicas-padrão do fisicalismo, quanto na construção de um modo científico de definição do conhecimento, procura esta dos discursos de parte do que se chamou Documentação, Bibliologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação no século XX.

A aproximação ao pensamento cassireriano nos permite, por exemplo, perceber a amplitude e a profundidade desta “arqueologia filosófica”: o “esquema” se insere nas duas direções epistemológicas acima apontadas no bojo da construção do “discurso de poder epistêmico” da Bibliologia. Mas também (e isto se torna elementar diante da “escavação” da noção aqui colocada em evidência) nos permite compreender como e porque o “esquema” tanto é fonte de edificação de uma “ciência”, como é semente para construção de um movimento artístico, a teoria estética do esquema, ou apenas a vanguarda artística do esquematismo, com influências, por exemplo, de Kandinsky e Malevich.

O que percebemos, até o momento, é que o “esquema” representa uma espécie de (antes de processo intelectivo e antes do construto – produto, matéria a posteriri - da linguagem) uma formação simbólica, fruto de intersubjetividades e resultante e resultado da arte e da ciência. Assim como nos permite pensar Cassirer (2011), estamos aqui identificando um elemento que nos permite compreender a multiplicidade de formas de um campo do conhecimento.

Uma certa “atividade livre do intelecto”, que em nossa apropriação se aproxima de uma atividade intersubjetiva, resulta na construção de um vasto território de imagens, imaginações, feitos linguísticos e ações construtivas no mundo sócio-epistêmico. O “esquema”, neste sentido, representa uma unidade tanto para compreensão da epistemologia dos estudos informacionais como a revisão de sua historiografia (seja de uma técnica informacional, seja da própria epistême).

Algumas fontes

ESTIVALS, Robert. Theorie lexicale de la schematisation. Schéma et schématisation: revue de schématologie et de bibliologie, n. 52, p. 5-72, 2000.

OTLET, P. Letter from Paul Otlet, 24 march 1895. In: VANN, S.K. Melvil Dewey: his enduring presence in Librarianship. Littleton (Colorado): Libraries Unlimited, 1978a. p. 189.

PEIGNOT, G. Dictionnaire raisonné de bibliologie, tomo I. Paris: Chez Villier, 1802a.

SALDANHA, G. S.. O esquema e as formas simbólicas: uma 'arqueologia filosófica' do esquema no pensamento bibliológico. Tempo Brasileiro, v. 203, p. 79-102, 2015.

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