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Etnobibliografia: a vida íntima dos livros

A cadeia de acontecimentos contemporâneos nas tecnologias da linguagem listadas por Melot (2012, p. 24) sugere um conjunto etnopercursos para um decurso cultural-historiográfico: “Em 1945, o primeiro computador foi posto em funcionamento e pesava cinco toneladas; em 1961, começaram a ser utilizados os circuitos integrados; em 1963, o mouse foi inventado e, em 1976, o computador pessoal (PC)”.

Este desdobramento, indica Melot (2012), fez nascer um vasto interesse sobre a forma do livro na contemporaneidade – em outros termos, a concorrência da tela e de outros dispositivos de fixação e de apresentação da matéria verbal e a-verbal trouxe um “desejo” ainda maior pelo “livro”, seja como conceito, forma, conteúdo, gesto ou processo. Nas palavras melotianas, “Enquanto o reino do papel não tinha concorrentes, era difícil ver o objeto sob o conceito”.

As ocorrências sócio técnicas no tempo-espaço do século passado nos interessam menos pela visão clara do projeto Livro, de Melot, distante e diferente, mas ao mesmo tempo tão íntimo e assemelhado ao projeto Livro de Mallarmé (2010), do Oitocentos. Nosso intuito está nos modos de vivência (aqui, substancialmente um conceito de vivência da filosofia da linguagem ordinária do segundo Wittgenstein (1979)) das coisas chamadas “livro” e seus congêneres (nos termos frágeis de Otlet (1934), “substitutos”, cartas, documentos avulsos, smarphones, microfilmes, discos fílmicos, pen drives), vivência essa tecida entre interindivíduos e suas gestualidades bibliográficas, como leitura e diálogo sobre “fatos gráficos”, como (ainda) um texto publicado em um diário em 1921 ou uma postagem em um blog de 2009.

A atuação do Ecce Liber lançou mão, a partir de 2011, da discussão sobre o reconhecimento do que tratamos como “itinerários volobibliográficos do espaço-tempo urbano”, buscando indícios narrativos (sob e sobre os registros informacionais) e imagéticos da experiência intersubjetiva de vivência dos artefatos simbólicos que estão enraizados, fundam e são transformados pela dinâmica das relações sociais instrumentalizadas por dispositivos info-comunicacionais.

Nasceu ali no coletivo uma discussão teórica sobre a possibilidade conceitual e aplicada da noção de etnobibliografia, tendo como aporte central a abordagem discursivo-textual de Michel Melot e discursivo-imagética de Nicola Taffin.

Trata-se, pois, de um percurso argumentativo imbricado nos seguintes pressupostos:

a) bibliografia enquanto bibliografia (epistemologia histórica);

b) a condição conceitual do campo hoje tratado como informacional (geoconceitualidade);

c) as linhagens metodológicas etno como outro processo histórico dos estudos informacionais (etnobibliografia).

Cabe-nos, por fim, aqui, pensar a etnobibliografia como um provocação epistêmico-metodológica aos estudos informacionais.

Algumas fontes

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BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

CALIL JÚNIOR, Alberto. Uma etnografia do mundo espírita virtual: algumas aproximações metodológicas. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 10, n. 10, p. 117-136, outubro de 2008.

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MALINOWSKI, Bronislaw K. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

MALLARMÉ, Stéphane. Divagações. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2010.

MARTELETO, R. M. 'Lugares de Signos' e contextos de informação: A Biblioteca como metáfora dos conhecimentos modernos. Revista de Biblioteconomia de Brasília, Brasília, v. 20, n.20, p. 241-246, 1996.

MAUSS, Marcel. Manuel d’ethnographie. Paris: Éditions Payol, 2007.

MELOT, Michel. Livro,. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2012.

OTLET, Paul. El Tratado de documentación: el livro sobre el livro: teoría y práctica. Tradução de María Dolores Ayuso García. Murcia: Universidad de Murcia, 1996.

WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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