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Qual o quê dos clubes de leitura na Espanha hoje? Tertúlias e outros prazeres crítico-coletivos

Como leem aqueles que coletivamente leem? Por que ler a partir de experiências conjuntas, e não na solidão das páginas e dos olhos? Em que medida podemos falar de uma prática de leitura dialógica na atualidade? Esses cenários não colocam em discussão a própria noção de leitura como pretensa positividade cognitiva, de captação e de decodificação de signos? Pierre Bayard e suas não-leituras não podem identificar aqui um universo de pretensões de desconstrução de uma teoria positivista do ato de ler? Eis um viés do itinerário de Carmen!

A partir de uma pesquisa que inclui a observação participante, entrevistas em profundidade e questionário aberto, com foco na compreensão da vivência dos clubes de leitura, Álvarez Álvarez (2016), da Universidade de Cantabria, procura valorizar as práticas e as experiências existentes no exercício da leitura hoje. A partir de um ponto de vista dialógico, que coloca a leitura como processo intersubjetivo de apropriação e de interpretação do espaço-tempo, a pesquisadora tenciona diferentes formas de olhar e de categorizar as experiências coletivas. Dá-se aqui, na visão do estudo, o potencial de transformação do sujeito no e para o mundo.

Três categorias (variáveis centrais para estudos subsequentes) são ativadas pelo olhar metodológico da pesquisadora, a saber:

  • As tertúlias literárias;

  • Os círculos literários;

  • Os clubes de leitura.

As tertúlias são reconhecidas a partir da ação de distintas formações de leitores, em geral, relacionadas a coletivos sociais marginalizados, envolvendo leituras múltiplas, que vão dos ditos clássicos às obras contemporâneas.

Os círculos literários resultam diretamente de “grupos de estudo”, com foco nas relações entre documentação, estudo literário, leitura e crítica de obras. A partir de ações planejadas ou espontâneas, se criam grupos que colocam determinado tema, autor ou assunto em discussão. A partir de tais fronteiras, se cria a bibliografia comum de leitura e seus debates.

Por fim, os clubes de leitura reúnem sujeitos a partir da apropriação de gêneros literários. Tais atores geralmente se reúnem para comentar e debater, trocar experiências de recepção e de crítica, de determinados autores e suas obras.

Para Álvarez Álvarez, existem algumas características importantes de tais grupos que podem ser reunidas em um plano panorâmico. Dentre elas, podem ser destacadas...

...a liberdade de participação e de pertencimento ao grupo, bem como de afastamento (livre e sem amarras) das atividades coletivas por cada sujeito, ou seja, a flexibilidade dos modos de atuação no grupo;

...a ausência de ambientes de discriminação (ao contrário, no ponto de vista da pesquisadora, os estudos comprovam que existe uma capacidade de recepção ampla às diferenças em tais cenários, incluindo sexo, idade, cultura, formação acadêmica);

...a condição da leitura como centralidade para a constituição e a manutenção (ainda que temporária) dos coletivos, bem como a fundamentação de um princípio de democratização de seu papel social;

...a heterogeneidade de ambientações para as práticas, ou seja, os coletivos são fundados e se desenvolvem nos mais diferentes espaços, como escolas, prisões, bibliotecas, associações culturais, dentre outros;

...e, finalmente, a preponderante presença infanto-juvenil de tais grupos (ou seja, mesmo com a existência de experiências distintas com a população adulta, a característica da formação dos coletivos a partir das gerações mais novas é marcante para os estudos de Álvarez Álvarez).

No plano histórico, demarca-se no estudo que tais coletivos surgiram a partir do contexto britânico, no período vitoriano. Seu locus original está ligado objetivamente à institucionalidade das bibliotecas, seguindo posterior para variados contextos socioespaciais.

No plano reflexivo atual, a experiência dos coletivos de leituras tem recebido interpretações acerca do seu potencial emancipatório. Aquilo que pode ser tratado como leitura dialógica aponta para os métodos incidentais ou não de construção de uma abordagem crítica sobre o sujeito a partir de tais fenômenos sociais. Trata-se de pensar uma competência linguística e a transformação intersubjetiva do mundo a partir não apenas da leitura como ato cognitivo, mas como processo social de construção do sentido, antevista a contribuição do fazer coletivo como central para tal transformação.

Tendo como foco os movimentos desenvolvidos na Espanha, a pesquisa de Álvarez Álvarez demonstra a construção contemporânea de tais coletivos, podendo ser apropriada sob diferentes frentes. O estudo pode, por exemplo, contribuir para ampliação da visibilidade de tais práticas e sua avaliação crítica. Ele pode também se apresentar como um método de investigação científica sobre atividade locais em todo o mundo. O trabalho da pesquisadora pode ser reconhecido ainda como uma ferramenta de fomento e de promoção de tais experiências. Por fim, e não menos relevante, o estudo de Carmen apresenta uma excelente bibliografia inicial para um mergulho na produção acadêmica sobre os cenários de experimentação coletiva da leitura, um olhar sobre o “qual o quê” dos clubes de leitura hoje (e sempre?).

ÁLVAREZ ÁLVAREZ, Carmen. Clubs de lectura: ¿Una práctica relevante hoy? Información, cultura y sociedad, v. 35, dec., 91-106, 2016.

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