Da bibliossociometria à etnobibliografia...
O que é etnobibliografia? Procuramos, de um modo, reunir a abordagem em uma definição sintética; de outro, caracterizar as potencialidades da abordagem e de seu método.
Como destaca Calil Júnior (2008), reconhecendo algumas das categorias centrais da experiência do trabalho etnográfico, elementos conceituais como cultura, escrita etnográfica, alteridade se encontram na centralidade das abordagens antropológicas.
Em certa medida, estes elementos sintetizam o que procuramos destacar como etnobibliografia a partir do reconhecimento de uma certa “cultura” constituída na dinâmica dos gestos e dos artefatos bibliográficos.
A abordagem teórica privilegia, pois...
a) uma epistemologia histórica, donde a recuperação do termo, da noção e do conceito “bibliografia”;
b) a ênfase a aliança de uma filosofia da linguagem em diálogo com uma filosofia da cultura;
c) o “condicionamento” das culturas locais tanto em sua distinção quanto em sua integralidade.
Quanto às caracterizações, podemos identificar que a abordagem etnobibliográfica procura reconhecer a vivência da cultura dos e providenciada pelos artefatos bibliográficos e seus intersujeitos, reunindo “paisagens a observar” como livros, leitores, leitura, instituições bibliográficas, profissionais bibliográficos e toda a sorte de manifestações macro ou microestruturais relacionadas com ou que provocam a laços na seara bibliográfica, como religião, política, literatura, tecnologia, economia.
Em certa medida, reconhecendo a vigência de uma epistemologia histórica, trata-se de um “ramo” específico (e, ao mesmo tempo, marginalmente radical ou radicalmente marginal) da “bibliossociometria” identificada por Otlet (1934, p. 16), domínio científico que dedicar-se-ia a compreender (ali, na visão otletiana, compreender no sentido de medir) a ação do livro e do documento sobre o homem e a sociedade.
As possíveis “paisagens etnobibliográficas”, ou espaço-tempo de observação do enfoque etnobibliográfico, são múltiplas e podem ser representadas pela vasta lista de elementos que envolvem os artefatos, as instituições, os gestos, as profissões, os usos vinculados ao mundo bibliográfico. Marginal ou radicalmente, trata-se aqui de descrever e compreender o modo como homem e a sociedade se movem na cultura bibliográfica que os ressignifica.
Algumas fontes
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