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A loucura e os limites da organização do conhecimento

A classificação e as práticas modernas de organização do conhecimento (OC) podem ser identificadas, no sentido polissemântico, em diferentes saberes. A configuração epistêmica e distintiva adquirida no contexto de uma epistemologia histórica da Ciência da Informação (CI), marcada por um processo de institucionalização de disciplinas, grupos de trabalho, associações científicas, pode, ela própria, clarificar a extensão e a exaustividade sempre parcial da condicionante conceitual e das múltiplas disciplinas interessadas nos métodos e nas práticas que se questionam pelas ações de classificar e de organizar.

Em outras palavras, o próprio desenvolvimento da OC no contexto da CI demonstra, em seus diferentes horizontes de investigação, a vastidão de questões filosóficas e aplicadas que convergem para os dilemas da informação contidos em tais ações. Das críticas de Frohmann (1990) e García Gutiérrez (2011) contra plano mentalista da indexação aos remotos problemas da arbitrariedade das ações classificatórias, podemos identificar diferentes cenários fronteiriços onde a suspeição sobre a organização do conhecimento é tencionada.

Essa abertura à paisagem crítica pode ser identificada, por exemplo, nas relações entre OC e os estudos sobre a loucura, horizonte estrutural de tal reflexão teórica concentrada em uma epistemologia em construção nos estudos de organização e representação do conhecimento. A própria condição de um possível campo do conhecimento dedicado a organizar o conhecimento, como na visão de Dahlberg (2006), pressupõe o afastamento absoluto da aporia da loucura: a sistematização dependerá de uma racionalidade (no ponto de vista dahlbergiano, de fundo analítica) que postula a capacidade comunicativa do conceito em sua unidade de sentido. A loucura, é, pois, uma das fronteiras de uma epistemologia da OC.

Por sua vez, a loucura, como na reflexão procuramos demonstrar, é fruto da própria classificação – em uma hipótese crítica, a loucura representa um dos aparentes limites do pensamento classificatório e, ao mesmo tempo, em outra margem, é resultado de sua “irracionalidade” ou, “inversamente”, de seu nível mais alto de discurso racional (se usarmos a argumentação cassireriana da filosofia das formas simbólicas), como o caso da fundamentação comteana, ou, ainda, em outros termos, o modo positivista de classificar a razão e determinar os modos adequados de descrição das maneiras como a razão classifica o homem, o mundo e seus objetos.

REFERÊNCIA

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