top of page

Classificação, loucura e pensamento informacional

Desde os primórdios da história da psiquiatria moderna, a classificação é um mecanismo basilar à área de Saúde Mental. Um lugar ideal para que o paciente fosse examinado era a clínica. Isolando o indivíduo no local era possível detectar informações que auxiliassem na definição da sua respectiva doença mental (AMARANTE, 1996). O puro plano psicológico da relação entre informação e sujeito, no entanto, extrapola uma abordagem mentalista (FROHMANN, 1990, 1992), chegando até um plano materialista e simbólico de organização e de comunicação nos contextos sociais.

O possível conteúdo informacional do sujeito (ou o construto semântico potencialmente comunicável), em um primeiro momento, ocupa espaço na construção das definições: identificar as diferenças nos comportamentos dos pacientes, as informações que se repetem e que se correlacionam e assim elaborar e padronizar termos adequados àquela doença. Mais adiante, o processo repetitivo e contínuo de recuperação e organização das informações sobre a saúde do paciente direciona o psiquiatra a procurar uma gama informativa que respalde as classificações preexistentes. O processo é muito próximo, se entendido sob uma base do positivismo lógico, da síntese frohmanniana sobre a posição de Farradane diante de uma teoria da recuperação da informação. Ou seja, “Farradane's picture of the scope of information science derives from a very natural and familiar picture of minds and thought. Thoughts are mental processes occurring in minds. ” (FROHMANN, 1990, p. 82)

Partindo das condições tradicionais de posicionamento da existência de um conteúdo informacional e das críticas ao mentalismo, eis já uma dupla condição do jogo informação e (inter)sujeito (o sujeito já antevisto em suas condições sócio simbólicas de percepção e de apresentação do real): a informação se estabelece como elo comunicacional com o mundo; a organização, por sua vez, se coloca como potencial de sentido, seja em sua redundância nos atos materiais (como produção de artefatos) e atos objetivos de fala (a manifestação verbal de sensações e de questionamentos).

Nota-se nesses cenários que mais do que uma relação de signos indiciais, trata-se de uma série de processos classificatórios que podem ser associados à formação de símbolos sobre a loucura. O acontecimento simbólico indica, pois, a propensa manifestação da relação entre organização e informação, capacidade de estabelecimento entre o mundo psíquico e o mundo social, para além da mera resposta a estímulos. A noção de loucura, no território do simbólico, contorna as indagações sobre o real-racional do pensamento moderno: o simbólico, dado no momento de comensurabilidade máxima de um (inter)sujeito, registra o potencial fundador de toda racionalidade em seu sentido linguístico, ou seja, sua capacidade de se fazer entender. Porém, em qual momento as observações de sinais transformam-se na manipulação dos mesmos, a construção do símbolo? A observação pode ser afetada pelo simbolismo? De que modo isso ocorre?

A história do “louco” e da “loucura” reflete os anseios e valores das sociedades. De sujeitos que alcançam a transcendência na Antiguidade ou o demoníaco na Idade Média a indivíduos excluídos por representarem desvios das regras morais e sociais durante a Renascença e, posteriormente a Revolução Francesa, doentes isolados em hospícios com a finalidade de receber tratamento médico (e moral) adequado (FOUCAULT, 1975). Em todos esses momentos entende-se o comportamento dessas pessoas a partir dos ideais específicos que vigoravam na época, pensamentos religiosos, científicos e artísticos.

REFERÊNCIA

SALDANHA, G. S. ; GUIMARÃES. M. L. S. . Da loucura e da arte nos limites de uma epistemologia da organização do conhecimento. In.: ENANCIB, XVII, 2017, Marília. Anais... Marília (SP): Unesp, 2017.

Outras fontes

AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 1996.

BOURDIEU, Pierre. Escritos sobre a educação. Petrópolis: Vozes, 2007.

BRIET, S. Qu'est-ce que la documentation? Paris: Éditions Documentaires Industrielles et Técnicas, 1951.

CAPONI, S. Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria ampliada. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2012.

CASSIRER. E. Ensaio Sobre o Homem. Uma Introdução a uma Filosofia da Cultura Humana. São Paulo: Ed: Martins Fontes, 2005.

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas; Terceira parte: Fenomenologia do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas; Segunda Parte: O pensamento mítico. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas; Primeira parte: A linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

CRUZ JÚNIOR. E. G. PINHEIRO. L. V. Aspectos Museológico nas constituições das coleções da loucura. In: ANAIS do X Encontra Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (X ENANCIB). Paraíba; João Pessoa. 2013

DAHLBERG, Ingetraud. Knowledge Organization: a new Science? Knowl. Org., v. 33, n.1, p. 11-19, 2006.

DAHLBERG, Ingetraud. Teoria do conceito. Ci. Inf., Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 101-107, 1978.

ESTIVALS, Robert. Theorie lexicale de la schematisation. Schéma et schématisation: revue de schématologie et de bibliologie, n. 52, p. 5-72, 2000.

FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.

FROHMANN, Bernd. The power of images: a discourse of images: a discourse analysis of cognitive viewpoint. Journal of Documentation, v. 48, n. 4, p. 365-386, 1992.

FROHMANN, B. Rules of indexing: a critique of mentalism in information retrieval theory. Journal of Documentation, v. 46, n. 2, jun. 1990.

GARCÍA GUTIÉRREZ, A. Desclassification in Knowledge Organization: a post-epistemological essay. Transinformação, Campinas, v.23, n.1, p. 5-14, jan./abr., 2011.

GRAMARY, Adrian. De Prinzhorn a Dubuffet: a repercussão das colecções de arte criada por doentes psiquátricos na arte do século XX. Leituras/Readings. Volume II, Nº2 março/abril, 2005

PESSOTTI, I. Os nomes da loucura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

PESSOTTI, I. Sobre a teoria da loucura no século XX. Temas em Psicologia, 2006, vol 14, no 2, 113-123.

PROVIDELLO, G. G. D.; YASUI, S. A loucura em Foucault: arte e loucura, loucura e desrazão. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.4, out.-dez. 2013, p.1515-1529.

SALDANHA, Gustavo S. O esquema e as formas simbólicas: uma 'arqueologia filosófica' do esquema no pensamento bibliológico. Tempo Brasileiro, v. 203, p. 79-102, 2015.

TODOROV, T. Goya à sombra das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

VIGNAUX, Georges. O demônio da classificação: pensar, organizar. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.

Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
Siga
bottom of page