De Marx à Savova! O que será a Ciência da Informação...?
Elena como um epitáfio à "história" da Ciência da Informação...
A luta social no campo informacional pode ser desconstruída permanentemente por transgramáticas que provêm de diferentes contextos. Dentre estas, podemos identificar, no decurso de uma teoria do conhecimento que inventou a informação como a hylé salvadora da Modernidade incontornável, a geopolítica científica mundial, a economia política da epistemologia, a crítica epistêmica a-histórica e, por fim, a tecnologização da discursividade.
No primeiro caso, reconhece-se a própria pregnância do angloamericanismo como marca de um modelo formalização da língua de todas as linguagens, a unidade inicial e final de toda lógica e de toda retórica dos dominantes para os dominados. Tal gramática é a base para a costura ácida de uma economia política da epistemologia na paisagem informacional e sua forma de escravidão simbólica: funda-se aqui um dado discurso que diz o que é (ontologia), como se articula (sintática), como se relaciona (lógica) e como tece o convencer (retórica). Eis a invenção da certeza de uma Ciência da Informação como fruto de um parcial, inacabado e vertical projeto de análise de algumas - e tão somente algumas - revistas científicas das hard sciences do norte.
No entanto, a geopolítica e a economia política receberam a contribuição assídua de sua oposição. A crítica epistêmica a-histórica que se estabelece a partir das estacas formais de uma historiografia forjada pelo capital parte da mesma gramática: está sob uma língua cercada de grades. Aceitar a "história como começo", mesmo que também como processo, produz traumas gnosiológicos profundos.
E o argumento se multiplica com a tecnologização do discurso: a verdade magnífica da lógica, a frente gramatical mais polivalente da segunda metade do século XX, capaz de subjugar a própria gramática e fazer mais bela e sensual a retórica (trata-se aqui de uma tropologia superestrutural do número), produz um enorme vão escuro nas esperanças historiográficas. Tudo se torna o meio - sem saída, sem mensagem.
Dentre os apagamentos no palco da hegemonia está a presença de tantas e quantas mulheres. E a Revue de Bibliologie nos apresenta, em sua edição de 2012, uma dessas margens impressionantes de transgramatização. Trata-se da homenagem à Eleva Savova, nascida em 1918 em Belitza, berço de revolucionários na Bulgária, mulher que representa a marca da luta pela justiça social em curso na episteme dita informacional em paralelo ao avanço da gramática angloamericana. Dentre os destaques do pensamento da búlgara, bibliotecária, pesquisadora e socialista, está a longa batalha pela liberdade e pela igualdade a partir das teorias e dos métodos bibliológico-biblioteconômico-bibliográficos.
Em São Peterburgo, Savova defendeu sua tese de doutorado, Recherches informatiques et bibliographiques sur le mouvement ouvrier en Bulgarier pour la période 1878-1917. O trabalho foi publicado em russo em Moscou e, posteriormente, em francês, em Paris. Junto deste, encontram-se inúmeras publicações e ações políticas orientadas para o acesso irrestrito aos saberes, a defesa da língua eslava e das singularidades e diferenças do povo búlgaro, o movimento revolucionário na Bulgária a partir do Partido Comunista (do qual ela começa a fazer parte aos 17 anos), o reconhecimento bibliográfico dos grandes militantes socialistas de seu país.
A obra e a travessia epistêmica savoviana representam a fundamentação de uma ciência orientada à informação que possui um significado ético extremo: lutar contra o fascismo (e todos os seus pseudo-democratas à paisana, à espera de sua derrocada). Não encontramos aqui uma ciência serva da ciência; mas uma ciência militante da revolução social. Eis o uso de toda da discursividade das tecnologias bibliográficas como forma de avançar contra o mal e a fundação da infoverdade gramaticalizada a ferro e fogo contra os oprimidos, o grande trunfo do Ocidente pós-guerras no século passado.
Nos olhos e nas mãos de Savova a transgramaticalização do espaço e do tempo na paisagem social se torna a única ética para uma perspectiva comparada e internacional do campo colonizado como informacional. A Bibliografia é, pois, aqui, uma arma política, uma causa, uma revolução.
Elena é um epitáfio vivo à "história" da Ciência da Informação: a abertura para a crítica do que pode ser, e não daquilo que disseram-nos ter sido.
REFERÊNCIA
ESTIVALS, Robert. (org.). Hommage international à Elena Svova. D'un siècle à l'autre: de Marx à la Bibliologie. Paris: L'Harmattan, 2012.