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Logos e informação: pós-verdade e segredo

Cassin (2008) nos leva a compreender o papel fundacional do desenvolvimento da política a partir do logos. Em seus termos, o desenvolvimento da cidade é fruto da logologia, o fruto de um mundo onde os homens vivem juntos a partir de seus modos de fala. A cidadania se condiciona como consistência lógico-gramático-retórica do liame social, a autonomia do político.

O logos, desta maneira, é a produção contínua da cidade, local dos consensos, dos dissensos, dos acordos, da contradição. Assim, a substituição do físico pelo político se dá como partilha, como um acordo discursivo. No plano marxista, porém, encontramos aqui a condição da dialética interna do signo, ou seja, segundo Bakhtin (2006), toda manifestação da linguagem demonstra a presença de um signo ideológido dominante. O nascimento da política, pois, é também (ou primariamente é) o aparecimento da injustiça com categoria de análise: é a primeira vez que o homem percebe que o lugar do escravo e do bárbaro não é o da polis, da política; eles estão excluídos da arena do discurso, não fazem parte da cidade.

Por sua vez, o problema da conhecida crítica filosófica à linguagem está na capacidade persuasiva da Retórica, a mais odiada das artes liberais pelos socrático-platônicos. Como aponta Cassin (2008), essa crítica está presente no debate sobre a mentira (um dos elementos centrais atualmente das análises sobre a pós-verdade). Cassin (2008) demonstra que o retorno da retórica da sofística no mundo romano, por exemplo, se dá em razão da coisa pública, a necessidade do orador-cidadão atuar no mundo politico. O discurso moral, aqui, é central para a constituição da cidade. A eloquência, pois, não pode faltar à democracia.

Se a essência do homem aristotélico está na construção da cidade e se este homem é fundamentalmente um homem político, é através da e para a linguagem que a formação deste homem se estabelece. O exercício de manipulação da linguagem é, assim, condição do gênero humano “separado” daqueles que não possuem o direito de fala (escravos e bárbaros). E sua reprodução é marca de um processo ditto democrático. As dicotomias entre sigilo e publicização, fonte e interpretação, segredo e pós-verdade são constituídas, pois, não como externas ao sujeito histórico, mas como parte da própria fundamentação humana desse sujeito, de sua vivência na e pela dialética do signo ideológico. O resultado da formação do sujeito a partir do trivium é a certeza (humana) de que a pós-verdade é tão antiga quanto a própria condição do sujeito (e de seus segredos). E o uso político (aqui, poderíamos dizer, o uso persuasivo, ou fundamento simbólico) da verdade é igualmente histórico e socialmente construído pela manipulação dos segredos (do Estado e dos indivíduos).

Referência

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