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Arcana imperii: segredo, poder e filosofia da informação

A construção das formas discursivas de governo, a condição de fundamentação de um mundo político, se dá a partir de muitos outros produtos do trivium. E no mesmo contexto de cruzamento das artes liberais, ou seja, de aplicação de lógica, gramática e retórica, reconhecemos a cidade (a política) como fundado na capacidade de construir e de reter o segredo. Chegamos, pois, aos arcana imperii, ou segredos de estado, elemento central para a invenção Estado Moderno.

Segundo os estudos de Senellart (2006), Aganbem (2008) e Catanzariti (2010), a noção de arcana imperii indica a questão das artes secretas de governar (uma imitação dos segredos da natureza a serem revelados, ou dominados, ou controlados, ou dos segredos divinos a serem revelados, ou dominados, ou ocultados). Arcana, em latim, é o plural de arcanum, ou seja, aquilo que está oculto, o segredo.

Como aponta Catanzariti (2010) existe uma relação clara entre os arcana e o poder. Trata-se do jogo dialético entre o público e o privado. Do ponto de vista desta dialética, os arcana funcionam como forma de poder sustentada pela ausência de visibilidade como uma estratégia de controle. O estudo de Senellart (2006) demonstrará como os arcana são centrais tanto no plano político quanto no plano técnico: as artes de criação de uma linguagem secreta.

Voltamos ao coração da sofística cibernética: entre Shannon, Turing e Wienner, nos anos 1940, no esplendor de um Estado Informacional clássico (então estruturado nas fontes de informação de massa), nós nos deparamos com as técnicas de criptografia, ou o desenvolvimento de uma escrita secreta para as coisas do Estado. O segredo, pois, está no coração de um dito Estado Metainformacional. Outra vez reencontramos o antropólogo Lévi-Strauss diante do líder indígena que compreende imediatamente o poder da escrita, muito antes de compreender o seu sentido.

Como aponta Paul Otlet (1934), de tempos em tempos, os governos e os homens políticos adotam linguagens criptografadas por razões inegavelmente de poder. A conhecida máquina de Turing nada mais é do que um modelo de desenvolvimento desse tipo de ferramenta, em contexto de guerra, para decifrar os códigos alemães. Os usos políticos da criptografia e seu papel no desenvolvimento do Estado Moderno são demonstrados por Senellart (2006).

A criptografia é, pois, claramente um mecanismo de poder oriundo de ferramentas do trivium. É uma ferramenta central para as dicotomias modernas entre o público e o privado. Quando dimensionada a partir das relações entre lógica, gramática e retórica após a máquina de Turing, percebemos que essa condição de segredo se coloca como um dos elementos mais diretamente relacionados às guerras contemporâneas no universo do big data.

Entretanto, a condição política dos arcana (nós poderíamos dizer, como Barbara Cassin, a condição logológica ou, ainda, a condição do trivium dentro dos arcana, ou, por fim, com Bakhtin, a condição ideológica do segredo) é a marca também da própria condição política do homem. Retomando os pressupostos aritostélicos, se esse homem político é substancialmente um homem dotado de fala, a política se estabelece sob diferentes estratagemas linguísticos dos arcana.

Referência

SALDANHA, Gustavo Silva. Trivium, arqui-segredos e pós-verdades: Dos arcana imperii ao império simbólico no estado metainformacional. International Review of Information Ethics, v. 26, p. 91-103, 2017. Disponível em: <http://www.i-r-i-e.net/current_issue.htm>. 02 abr. 2018.

Outras fontes

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