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O autor e a medida: uma guinada “biobibliométrica”?

VI Seminário Internacional A Arte da Bibliografia - UDESC / UFSC - Florianópolis - 2019

O autor e a medida: uma guinada “biobibliométrica”?





Resumo

A bibliometria, ou a medida do livro, tal qual sistematizada por Paul Oltlet (1934), apresenta-se como um modo de expressão do cenário bibliológico, pensado pelo advogado belga. Em seu célebre Tratado, Otlet (1934) trata a bibliometria como método de medição para os livros. Em outro momento, quando discorre sobre o trabalho intelectual, aborda a relação autor e obra, que culmina em uma noção de produtividade autoral. A noção biobibliográfica, estudo da obra e da vida do autor, tal como exposta no Dicionário de Cunha e Cavalcanti (2008), articula, direta ou indiretamente, diversas fontes de informação presentes na modernidade e na contemporaneidade. Hodiernamente, indicadores da produtividade individual e coletiva de sujeitos produtores de textos são construídos, modificados e aplicados por uma lógica político-econômica da indústria do conhecimento. A pesquisa que se desenvolve, busca compreender esta formação discursiva que se instaura nos limites da medida, da autoria e da biobibliografia, esta entendida aqui, como principal fonte de informação para uma bibliometria pós-moderna.


Segundo Fonseca (1986), a palavra bibliometria foi cunhada por Paul Otlet, apesar de rápida e simples pesquisa na Gallica mostrar que o termo já vinha sendo usado desde o século XVIII. Em seu Tratado, Otlet (1934) alegando ser oportuno aproximar-se de uma abordagem métrica, define bibliometria como parte da bibliografia que se ocuparia da medida ou da quantidade aplicada ao livro. Esta noção é refinada por Estivals (1969), que estabelece a Estatística Bibliográfica como parte da bibliometria, que toma o livro por seu assunto, e seria dependente de quadros formais e fundamentais. Dos formais temos a bibliologia, a bibliografia, a linguística e a economia. Teria, também, relações com quadros fundamentais como a psicologia coletiva bibliológica, a sociologia do conhecimento bibliológico, a história da psicologia coletiva impressa e a dinâmica econômica intelectual (ESTIVALS, 1969). A noção bibliológica aqui imposta refere-se aquilo que foi escrito ou impresso. Em análise recente, Saldanha (2018) explica como no pensamento de Estivals a diversidade do universo das bibliografias funda a possibilidade das análises bibliométricas. Além destas noções, também é importante que tenhamos em mente a construção da imagem do autor na modernidade, ou ainda na pós-modernidade se pensarmos a descentralização do sujeito. A noção de autor foi tratada por Barthes (2004) e Foucault (1969), estas discussões estão no bojo das ideias aqui tratadas.


Nossa metodologia é aquela exposta por Michel Foucault (2008) em Arqueologia do Saber, saber este, em nosso caso, estruturado através de uma lógica, de uma retórica e de uma gramática de origem bibliográfica. A proposta do intelectual francês é a descrição dos acontecimentos discursivos que através de suas relações formam as unidades discursivas. Os enunciados, que se quer descrever, advêm de diferentes artefatos, sua coleta está liberada daquilo que Foucault chama de unidades tradicionais e impensadas do discurso. Convencidos de que exista um discurso biobibliográfico em voga na dinâmica econômica do conhecimento, nos perguntamos quais seriam, no campo dos estudos informacionais, os enunciados que fundam, operacionalizam, recortam, ordenam, modificam e aplicam este discurso. Portanto, exploramos teoricamente noções fundamentais para a construção desta realidade dita biobibliográfica, através dos enunciados propagados no campo da Biblioteconomia e Ciência da Informação. O método da pesquisa pretende apontar os enunciados, contidos no campo informacional, que formam a unidade discursiva da Biobibliografia, tal como ela é analisada neste estudo.


O próprio Otlet (1934) afirma que pesquisas métricas sobre autores, tendo como fonte os dicionários biográficos, já foram realizadas, medindo o tamanho dos artigos que lhe eram dedicados, ou então aferindo a quantidade de elogios que recebiam nestes dicionários. Este tipo de pesquisa, segundo o intelectual belga, servia para afirmar a superioridade de um autor sobre o outro, estabelecendo assim uma hierarquia de autores. Isto indica que uma análise métrica voltada para o sujeito autor já existia, também podemos perceber que a intenção de uma classificação hierárquica destes autores era imaginada. No entanto, como nos aponta Estivals (1969) a estatística bibliográfica também se pauta em uma noção econômica, que cada vez mais influenciada pelas noções produtivistas impõem a formação de metrias que afiram a produtividade do autor. Esta produtividade já aparecia no Tratado de Otlet (1934), questionando quantos autores escreviam ou quanto escrevia um autor. Ora, se como exposto por Saldanha (2018), a pluralidade de tipos de bibliografias constituí múltiplas possibilidades de análise bibliométrica, a biobibliografia seria a principal fonte de informação que possibilitaria a produção de indicadores do sujeito autor. Ela determina quantos escrevem sobre determinado assunto, quem são estes que escrevem, o que escrevem, coloca estes autores em um plano comparável, mensurável, capaz de os identificar, localizar, elevá-los à posições superiores, ou rebaixá-los, segundo uma escala econômica daquele contexto em que se inserem.


A arqueologia do discurso foucaultiana nos permite entender como foi possível estabelecer determinada forma de pensamento. A bibliometria, noção muito pautada nos estudos bibliográficos, e por consequência bibliológicos, está relacionada a diversos tipos de contextos discursivos diferentes, como nos mostrou Estivals (1969). A análise desempenhada nesta pesquisa foca a relação enunciativa que forma a unidade do discurso biobibliográfico enquanto forma de medição de autores. Uma certa noção biobibliométrica desponta no cenário informacional corrente, não apenas nas relações formais da ciência, como podemos observar com o Orcid ou o Currículo Lattes, mas em todo o cenário das relações pessoais, como o Facebook e o Twiter. Ou não será verdade que metrias são aplicadas a todo tempo para medir aquilo que se fala (aquilo que se escreve) nas redes sociais? O discurso biobibliográfico, alargado, ganha assim um status de destaque na atual “sociedade da informação”, as consequências, as práticas, as relações de poder que se anunciam, talvez, sejam ainda mais profundas do que as informações totalizantes enunciam.


Referências

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: Barthes, Roland. O rumor da língua. 2. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 2004.

CUNHA, Murilo Bastos da; CAVALCANTI, Cordélia Robalinho de Oliveira. Dicionário de biblioteconomia e arquivologia. Brasília, DF: Briquet de Lemos, 2008.

ESTIVALS, Robert. La statistique bibliographique. Bulletin des bibliothèques de France, n. 12, p. 481-502, 1969.

FONSECA, Edson N.(org.). Bibliometria: teoria e prática. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

FOUCAULT, Michel. Qu'est-ce qu'un auteur? Bulletin de la societé française de philosophie, ano 63, n. 3, p. 73-95, jul./set. 1969.

MALCLÈS, Noelle. La bibliografia. Buenos Aires: Editora da Universidade de Buenos Aires, 1960

OTLET, Paul. Traité de documentation: le livre sur le livre: théorie et pratique. Bruxeles: Mundaneum, 1934.

SALDANHA, Gustavo. A fundamentação epistemológica da bibliografia entre Robert Estivals e Jean Meyriat. Informação & Informação, v. 23, n. 2, p. 181-202, set. 2018. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/34503. Acesso em: 01 ago. 2019.

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