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QUANDO O CONCRETO É A INFORMAÇÃO: Gramsci, Bourdieu e a autonomia dissimulada dos estudos informacio

Ao tratarmos as questões discursivas que permeiam a constituição da Ciência da Informação, buscamos atentar para as outras determinações da vida social que a orientam, sobretudo para às posições e às propriedades sociais objetivas. Afinal:


“O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.” (MARX, 1979, p. 116)

Assim, considerando o método para a produção de conhecimento baseado na razão dialética, que busca captar o real em suas múltiplas determinações e reafirmar o caráter histórico e criador da práxis humana, enxergamos as representações sobre a Ciência da Informação a partir dos movimentos de contato e conflito que as interconectam às tantas variáveis no interior e ao entorno do campo. O conhecimento da realidade referencia-se, então, na totalidade, rearticulando as partes desse empreendimento através de sua dinâmica de constante transformação.


Nesse sentido, a sociologia de Pierre Bourdieu torna-se um importante referencial teórico para este trabalho, pois como bem apontam Bezerra, Schneider e Castro (2015), a mesma, em boa medida, trata de problematizar “os processos de legitimação do conhecimento científico, que envolvem o atravessamento constitutivo do debate epistemológico, teórico e metodológico por disputas por capital simbólico, social e econômico”. (p. 3)

Ou seja, o lugar objetivo de criação dos discursos científicos e daqueles que os produzem não deve ser subestimado. Os “jogos de linguagem” não acontecem em uma dimensão etérea. Para Bourdieu (1994), os poderes que articulam o campo científico estão diretamente ligados aos desequilibrados acúmulos de capitais nas diferentes posições do mesmo. Conforme o autor, são as vantagens nas lutas por capitais no campo que irão “autorizar” determinadas falas e silenciar outras, assim como garantir a legitimidade e a competência de certas pesquisas e áreas e relegar outras à marginalidade das ciências.

Ao trabalhar o conceito de campo científico, Bourdieu (1994) se afasta de uma noção de ciência engendrada em si mesma, alheia às intervenções do mundo social, mas também de uma análise puramente contextual, em que as externalidades teriam o poder de pautar - de maneira absoluta - o seu desenvolvimento. Daí é que ele evoca a ideia de autonomia relativa do campo científico, ou estabelece o campo como espaço de mediação entre a produção de conhecimentos; os embates internos de acordo com as posições ocupadas; e os atravessamentos ideológicos externos a que, necessariamente, a ciência está exposta.

Devido às capturas cada vez mais vorazes da ciência pelos empreendimentos do mercado - e as estratégias do capital presentes na sociedade civil, logo, no próprio campo científico, para imiscuírem-se nas orientações do Estado - destacamos, neste trabalho, as grandes cargas ideológicas despejadas na prática científica cotidianamente. Como aponta o próprio autor, a neutralidade na ciência: “[...]é uma ficção interessada que permite aparentar como científica uma forma neutralizada e eufêmica (simbolicamente muito eficaz porque particularmente irreconhecível) da representação dominante do mundo social.” (BOURDIEU 1994, p. 142)

Não sem a brilhante inspiração de Michael Burawoy (2010) - que promove uma série de encontros fictícios entre Bourdieu e pensadores marxistas - passamos a considerar, ao lado e além das questões que esse provoca, os múltiplos diálogos possíveis entre o sociólogo francês e o comunista italiano Antônio Gramsci, para entendermos a Ciência da Informação.

Adotando uma perspectiva metodológica que procurou conectar as diversas componentes da vida social - conferindo centralidade à história das ideias, mas vista sempre em conexão com o desenvolvimento das forças produtivas reais - Gramsci (1987) destacou as categorias “ideologia” e “hegemonia” para formular sobre o exercício de poder e as relações de dominação na sociedade. A ideologia, entendida como visão de mundo, concepção histórica, ou conjunto de ideias próprio à determinada classe ou fração de classe, torna-se imprescindível para a construção de consensos e de hegemonia, na medida em que se forja como elemento privilegiado no que tange às possibilidades de interação entre os agentes sociais, legitimando posições ou transformando a sociedade.

A produção de Gramsci, principalmente sua reflexão teórica sobre o Estado ampliado, liga-se a uma concepção multidimensional dos processos sociais, difícil de ser captada quando há a insistência em simples esquemas classificatórios que reduzam o econômico especificamente à infraestrutura e os demais “domínios” da sociedade - o político, o cultural ou o ideológico - ao espaço superestrutural - de reflexo. De acordo com essa perspectiva, os discursos aparecem como uma das dimensões organizativas das classes e do próprio Estado, sendo de toda importância a participação do intelectual orgânico que, forjado dentro de um segmento social, trabalha para valorizar e difundir os códigos culturais a que está ligado, seja por pertencimento de classe ou por convencimento programático. (MENDONÇA, p. 98)

A aproximação entre ideologia e dominação de classe se constitui, igualmente, como uma questão de destaque na obra de Pierre Bourdieu, que considera que as ideologias - representadas pelos sistemas simbólicos - podem se transformar em funções políticas, na medida em que a ordenação do mundo também está submetida ao poder simbólico e a sua legitimação social. Avançando na obra do sociólogo, percebemos o relevo atribuído a esse poder simbólico e à sua eficiência de atuação no que diz respeito às relações de força.

Segundo Bourdieu (2012), o poder simbólico atua através da capacidade de impor ideologias como legítimas, consolidando uma situação de violência simbólica. Na medida em que se incute à coletividade uma configuração própria para o mundo - de modo que esse ganhe um sentido imediato - há um investimento na construção de ideias que acabam por consolidarem-se como lugares de referência ou dispositivos de integração social, criando certa conformidade.

A universalização de interesses particulares é que explica a ocultação do caráter de classe do Estado, assim como o silenciamento das lutas de classe e classificação que inundam seus inúmeros campos de reprodução, como o campo científico. Em razão dessa representação, o Estado garante o consenso de espaço por excelência para concentração e exercício do poder/violência simbólicos (BOURDIEU, 1996) assim como o campo científico consegue se autoprojetar em nosso imaginário como um espaço neutro e isento de interesses. Cabe-nos refletir sobre como, a partir de quais aparatos ideológicos, se definiu e se desenvolveu uma ciência para a informação.

Algumas fontes

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

CAPURRO, R. What is Information Science for? a philosophical reflection In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (Ed.). Conceptions of Library and Information Science; historical, empirical and theoretical perspectives. In: INTERNATIONAL CONFERENCE FOR THE CELEBRATION OF 20TH ANNIVERSARY OF THE DEPARTMENT OF INFORMATION STUDIES, UNIVERSITY OF TAMPERE, FINLAND.1991. Proceedings... London, Los Angeles: TaylorGraham,1992. p. 82-96.

DAY, R. Poststructuralism and information studies. Annual review of information scicence social and technology (ARIST), v. 39, p. 575-609, 2005.

DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

FUCHS, Christian. ¿Que és información?. 2008. ANAIS DO PRIMEIRO ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM TEORIA DA INFORMAÇÃO: UM ENFOQUE INTERDISCIPLINAR. Léon (Espanha), 2008. p. 247-316

FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: COLÓQUIO CIENTÍFICO INTERNACIONAL DA REDE MUSSI. 2011. Anais... Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011.

GRAMSCI, António. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

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___________. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

GONZÁLEZ de GÓMEZ, Maria Nélida. A reivenção contemporânea da informação: entre o material e o imaterial. In: Pesq. Brás. Inf, Brasília, v.2, p. 115-134, 2009.

MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural. (Col. Os Pensadores), 1978.

SALDANHA, Gustavo. Viagem aos becos e travessas da tradição pragmática da Ciência da Informação: uma leitura em diálogo com Wittgenstein, 2008. Disponível In: <http//:www.bibliotecadigital.ufmg.br>. Acesso em: 30 maio 2016.

___________. Tradições epistemológicas nos estudos de organização dos saberes: uma leitura histórico-epistêmica a partir da filosofia da linguagem. Liinc em Revista, v. 6, n.2, Rio de Janeiro, 210, p.300-315.

WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1992.

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