"Geoconceitualidade": um método metalinguístico para os estudos informacionais?
- Gustavo Saldanha
- 1 de jun. de 2017
- 3 min de leitura
Como investigar um domínio da linguagem, como os estudos informacionais, na e para a linguagem? Diferentes métodos, como a bibliometria e a bibliografia textual, lançaram questões sobre o olhar das práticas com registros documentais e suas inúmeras configurações metalinguísticas abertas.

Pensamos em duas direções complementares dos projetos correntes:
a) uma abordagem da-para linguagem como pressuposto para a reflexão filosófica dos estudos informacionais;
b) uma espécie daquilo que estamos tratando por “geografia conceitual”, ou seja, estudo das relações entre os intersujeitos e a fisicalidade de continentes e conteúdos documentais, bem como a dinâmica interna-externa de formações e movimentações de conceitos nos “solos” da produção do conhecimento de cada “comunidade intercognoscente” – em nosso caso, a epistemologia da Ciência da Informação e sua comunidade.
Um eixo central coexiste entre estas duas direções: uma “epistemologia histórica” confere à abordagem da linguagem e à “geoconceitualidade” sua condição sociocultural aberta.
O método é resultado dos processos de apropriação da metodologia filosófica do pensamento wittgensteiniano. Em outras palavras, trata-se de pensar a construção das “linguagens primitivas” dos domínios científicos ou apenas das comunidades de saberes e suas línguas de especialidade. Em um primeiro momento, a linguagem é tomada como modo de produção e expressão das “familiaridades” de cada grupo de indivíduos intercognoscentes, seja este grupo acadêmico ou não.
Em um segundo momento, trata-se de daquilo que procuraremos determinar como uma espécie “geografia conceitual”: arte bibliográfica de compreender as movimentações conceituais de um domínio epistemológico, suas “esferas” (posições hierárquicas no tempo e no espaço), suas “dinâmicas” (deslocamentos e estagnações) e seus “sismos” (propagações desde seu hipocentro até seus epicentros). As “esferas” são as “zonas” onde se avolumam e de onde se dispersam os fragmentos conceituais, aqui ou ali apropriados e elaborados como conceitos. Podem ser interpretadas a partir da posição de conceitos em livros, periódicos científicos, cartas e demais “registros” dos saberes de cada comunidade.
Os “sismos” respondem pelas “vibrações bruscas e passageiras” que demandam a análise dos hipo e epicentros. Os hipocentros, ou foco sísmico, ou regiões abissais interiores de onde se iniciam as rupturas de liberação de “energia”, representam os registros e-ou conceitos que inauguram o princípio de mutações epistêmicas no campo. Por sua vez, os epicentros, ou pontos na superfície terrestre que receberam e “dispensaram” as energias, representam os locus de dissipação e reprodução das elaborações conceituais tecidas internamente.
O domínio, pois, do que tratamos por “epistemologia histórica” (que reúne a reflexão epistemológica a partir e sobre a linguagem e o estudo da “geografia conceitual”), responde, também, por um “garimpo” de métodos e abordagens na própria epistemologia do campo informacional. No presente caso, trata-se de identificar na Bibliografia e em seu “papel socioepistêmico”, elementos metodológicos de compreensão da realidade social. O conceito de “esquema” e seus fragmentos são o nosso foco aqui. Interessa-nos centralmente demarcar os hipocentros deste conceito, para compreender seu desdobramento futuro na construção da “terceira via bibliológica” na geração de Robert Estivals, na França de meados do século passado.
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