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O que é Ciência da Informação? Brookes na terra de ninguém

As tentativas de definição de uma "ciência da informação" (CI) a partir de uma “epistemologia casta” - ou seja, aquelas que dizem: a “ciência da informação é...” – são incontáveis a partir dos anos 1960. A ausência das alegadas “castidades” na precisão das definições fica clara, por exemplo, na afirmação de Borko (1968), ao dizer que

"Now that the American Documentation Institute has voted to change its name to the American Society for Information Science, many of us have been forced to try to explain to friends and colleagues what information Science is, what na information scientist does, and how of this relates to librarianship and documentation." (BORKO, 1968, p. 3, grifo nosso)

Os “amigos” e os “colegas acadêmicos” são os pares que consagram ou não as socialmente almejadas “epistemologias castas”. O fato da “definição científica” (neste caso, a definição de uma “ciência inteira”!) ser importante ou não é, antes, o fato de necessidade social de co-afirma-la entre os pares. Curiosamente o artigo de Harold Borko, que reproduz o conceito de Robert S. Taylor, se torna “consagrado”, ganha o poder de documento porta-voz de uma “epistemologia casta” que afirma “ciência da informação é”, mesmo diante da negação de uma capacidade crítico-teórica de fazê-lo e da absoluta “luta simbólica” que ele denuncia em sua abertura, partindo da necessidade de uma “distinção sócio-epistêmica”, muito antes de uma definição. Ainda: trata-se de uma relação de subáreas e atividades já realizadas antes da construção da expressão “ciência da informação”, como é discutido nas breves páginas seguintes de seu documento, ou seja, o nome, apesar do discurso inicial borkiano, não respondia por um campo novo.

O discurso de Bertram C. Brookes, por sua vez, na abertura dos anos 1980, decorrida mais de uma década de uso da expressão “ciência da informação”, parece ter nitidez ainda maior diante na “luta simbólica” pela invenção da “natureza científica” de um “campo informacional”. Em uma expedição a uma “Escola de Ciência da Informação” naquele contexto, nos relata a leitura brookesiana, podemos encontrar o professor de “linguística” para CI, o doutor em “ciência da computação” que ministra a disciplina de “ciência da computação” para CI, o mestre em “estatística” que leciona as “técnicas estatísticas” para os estudos informacionais, mas dificilmente somos apresentados ao professor de “ciência da informação”.

Caso insistamos na pergunta “onde estão os professores de CI”, a resposta, continua, Brookes (1980), toma os seguintes rumos de justificação, e não de explicação: esta área é uma mistura – the peculiar mix – de diversos saberes. Se não há professores de CI, haverá uma CI? Como e onde posicionar esta ciência? Para uma historiografia kuhniana, a-cumulativa, não há... O que se nota, criticamente, é um outro recurso da ciência clássica, anti-interdisciplinar. Como afirmava o próprio Brookes (1980) dentro da mesma argumentação, há um território específico dos estudos informacionais, com problemas específicos e uma visão específica sobre as relações humanas - e não há futuro algum em uma mistura incoerente de elementos de um grupo arbitrário de disciplinas.

Brookes (1980) deixa muito claro (se estivermos a lê-lo desde a perspectiva da sócio-epistemologia bourdieusiana) o uso ora positivo ora negativo do discurso da “interdisciplinaridade”. Os “classificadores da metafísica epistêmica”, aqueles que ali dizem “a ciência da informação é...” e, neste gesto discursivo, apontam para sua ampla abertura interdisciplinar, são os mesmos que afirmam, acolá, bordões de “demarcação casta do campo”, como “isto não é ciência da informação...”. São os mesmos que tendem cair nos paradoxos lancasterianos.

No fundo, objetivamente, temos aqui um falso paradoxo: se uma “epistemologia casta” se afirma como “interdisciplinar em sua castidade”, ela ou perde sua condição de “verdade” (ou seja, a unidade semântica que permitiu a definição - logo, a divisão, a marca -, das ciências duras e das mais antigas ciências humanas e sociais) ou se perde em sua própria pretensa condição de verdade (ou seja, não encontra jamais uma mínima unidade semântica que a defina enquanto disciplina, enquanto um campo que “compete” interna e externamente). Trata-se, em palavras rasteiras, de afirmar que aquilo que é tudo nada será, ou, ainda, que estamos na “terra de ninguém”.

O falso paradoxo é, na verdade, uma forma de apresentar a aporia do “jogo de papéis” que surge da obra e da vida de Lancaster. Sua indignação com o uso do conceito “ontologia” no fim do século passado responde pela mesma querela: se podemos chamar qualquer coisa “classificação” (assim como qualquer coisa poderia ser chamada “ciência da informação), não teremos jamais uma certa “precisão terminológica” que permita com que o campo se estabeleça com os critérios de prestígio e com as marcas de distinção dos demais campos acadêmicos. A construção do “conhecimento”, dos gregos aos contemporâneos, reclama um processo de abstração, uma separação entre conhecedor, objeto conhecido e sua representação.

O termo “ontologia” é um exemplo imediato nesta configuração. No entanto, agora, nos anos 1990, ele provém de um discurso no campo (informacional), retirado (não da Filosofia) da Ciência da Computação, que reúne “interdisciplinaridade”, “pós-modernidade” e “tecnologias da informação e da comunicação”, pressupostos da construção da abstração que permite consolidar uma “epistemologia casta” da “ciência para a informação”.

Algumas fontes

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SALDANHA, G. S. O que é Ciência da Informação? Desafios imediatos e impactos hipotéticos da ?distinção? bourdieusiana na socioepistemologia dos estudos informacionais. In: Regina Maria Marteleto; Ricardo Medeiros Pimenta. (Org.). Pierre Bourdieu e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. 1ed.Rio de Janeiro: Garamond, 2017, v. 1, p. 72-101.

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