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Dos falsos antagonismos informacionais (1) ...a técnica como prestígio...

Relata-se que, desde o uso do termo “documentação” por Paul Otlet, já encontrávamos um problema profundo de “distinção”, colocado em prática a partir de uma “guerra profissional” entre bibliotecários e aqueles agora tratados como documentalistas.

Com o termo "information" esta cadeia de distinção se multiplica ao sem-fim. Em razão do escopo deste trabalho, nos concentramos em algumas “distinções socioepistêmicas” que dialogam com as questões lancasterianas sobre “terminologia”. Mas outro percurso (fundamental) seria seguir a trilha de elaboração e de apagamento socioepistêmico do conceito de “epistemologia social” de Jesse Shera, candidato na década de 1950 à “consagração distintiva” no campo e desfigurado diante do poder político-epistêmico do neoliberalismo tecnicista emancipado sob o termo information contra o liberalismo humanista (fruto, por exemplo, da ação do mestre em literatura inglesa).

Esta relação, de qualquer modo, antecipa as questões nucleares lançadas pelos estudos bourdieusianos sobre os enfrentamentos simbólicos e os jogos de poder entre as diferentes “ciências”, principalmente, humanidades e ciências da natureza.

Pierre Bourdieu (2004a) lembra, em seus “Usos sociais da ciência”, que a reflexão sócio-crítica da vida do cientista deve “ir além as aparências”, identificando, reconhecendo e desmascarando as “falsas antinomias”. As “oposições declaradas” entre cientistas, conceitos e instituições terminam por esconder os interesses comuns. É o caso, por exemplo, do fato das principais instituições de CI dos Estados Unidos permanecerem, mesmo diante das “consagrações” e “epifanias” promovidas pelo termo information, com sua “velha” trajetória iniciada no século XIX: organizar, preservar e disseminar o conhecimento.

Os falsos antagonismos, incontáveis, estabelecidos a partir da palavra information, não se esgotam em nenhuma sócio-epistemologia dos estudos (hoje tratados como) informacionais. São processo e produto, resultante e resultados, daquilo que Bourdieu (2013, p. 226), chama de “manipulação simbólica” no campo universitário. A lista de “distinções” e seus contrapontos imediatos pode ser encontrada, por exemplo, na relação da técnica como prestígio, ou seja...

...“distinção sócio-epistêmica” dada a partir da construção da “inferioridade” do tecnicismo analógico diante do tecnicismo eletrônico, como se a CI não fosse um campo dedicado centralmente ao desenvolvimento de técnicas de recuperação da informação científica nos Estados Unidos, seu berço, ou seja, como se, de um lado, tivéssemos a “ciência da organização dos dados científicos pela via eletrônica” e, de outro, a “ciência da organização dos dados científicos pela via analógica”; como se o pensamento biblioteconômico fosse apegado às técnicas e aos artefatos arcaicos e atávicos, enquanto que a CI atuasse com “tecnologias avançadas da linguagem”, prescrevendo então uma espécie de Ciência Social Aplicada (a CI) que não poderia existir em países de Terceiro Mundo, dado seu atavismo e sua baixa evolução tecnológica.

Algumas fontes

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BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.

BOURDIEU, Pierre. A distinção: critica social do julgamento. 2. ed. rev. Porto Alegre: Zouk; São Paulo: EDUSP, 2011.

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BOURDIEU, P. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2004b.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

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LANCASTER, F. W. Indexação e resumos: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2004.

LANCASTER, F. W. Toward Paperless Information Systems. New York: Academic Press, 1978.

MEDEIROS, M. Recensão. Indexação e resumos: teoria e prática. Ci. Inf., Ci. Inf., Brasília, 22(2): 181-185, maio/ago. 1993

SALDANHA, G. S. O que é Ciência da Informação? Desafios imediatos e impactos hipotéticos da ?distinção? bourdieusiana na socioepistemologia dos estudos informacionais. In: Regina Maria Marteleto; Ricardo Medeiros Pimenta. (Org.). Pierre Bourdieu e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. 1ed.Rio de Janeiro: Garamond, 2017, v. 1, p. 72-101.

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