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O bibliotecário e a ética profissional: o trabalho em sua dinâmica moral

O significado da ética está associado a valores, reflexão, estudo, autoconhecimento e bem-estar. É comum a aproximação dos sentidos da ética e da moral. A última representa, em conceituações distintas de determinados filósofos, o conjunto de costumes/comportamentos de uma cultura ou grupo social. Um comportamento pode ser aceitável em um lugar e em outros a mesma atitude pode ser considerada abominável.

Normalmente, os conflitos morais se “resolvem” por meio dos valores éticos (ainda que essa distinção filosófica, no plano político, possa trazer inúmeras complicações em sua aplicação). Embora a Ética, em “e” maiúsculo, sob o ponto de vista filosófico, seja uma “atividade epistêmica”, não significa que seu exercício esteja circunscrito ao âmbito reflexivo, que não exista uma atitude pontual que se possa realizar; a atividade intrínseca é apenas o ponto de partida para práticas efetivas. E é nesse momento que o choque entre ética e moral (repetindo, se tomadas como distintas na precisão lexical filosófica) provocam a reflexão.

Na filosofia, dentre as várias vertentes que discutem o plano ético, tem se confirmado a tese da ética ser uma “atividade” que se desdobra pontualmente para o plano moral. Segundo Leeten (2015), que investigou a “ética da receptividade” em Lyotard, no encalço de uma filosofia pós-estruturalista, o debate pressupõe que o fundamento de todo saber está em como se constitui a facticidade. Em outras palavras, Leeten advoga que, segundo a obra de Lyotard, a forma fundamental de conhecimento se apresenta a partir das formas explícitas em atos narrativos, ou frases. Nessa perspectiva, o saber se dá através da linguagem.

Leenten (2015) advoga que no horizonte lytardiano “ (...) não se deve (...) pensar que a ética adentra em cena em um momento de decisão, quando um sujeito busca por fundamentos para agir de um modo certo” (LEETEN, 2015, P. 139). Contextualizando o dilema no campo profissional, quando um bibliotecário recorre ao “código de ética” (uma cartilha de comportamentos...) para resolver conflitos morais está, em grande parte, isolando a linguagem do saber, o ser da verdade. O “código” não engendra saberes em si. Logo, não é capaz de resolver o dilema no instante de sua circunstância.

Considera-se que a para a resolução dos conflitos morais as ações necessitam, via linguagem, construir os saberes pertinentes para cada dilema com vistas ao desenvolvimento profissional. A linguagem está associada à práxis, e pode evitar as separações radicais entre ser e saber, ética e profissão. Para finalizar Leeten afirma que “A mensagem de Lyotard para o filósofo moral satisfeito consigo mesmo, que acredita ter resolvido a tarefa moral, e: a tarefa ética nunca está resolvida, ela começa novamente, sempre do início.” (LEETEN, 2015, P. 143).

No plano dos estudos sobre bibliotecas e práticas profissionais do bibliotecário, multiplicam-se os embates sobre essa pretensa dicotomia. A ética, quando colocada em discussão, revela as fraquezas do sistema bibliotecário, seus posicionamentos hegemônicos, o desrespeito ao multiculturalismo e as lacunas críticas do exercício profissional. Estudos distintos comprovam as relações conflituosas no plano teórico e no plano aplicado.

Silva (2011) demonstra, em estudo sobre ética em bibliotecas comunitárias, como o perfil do bibliotecário e como sua conduta ética é percebida pelos líderes comunitários, e o resultado do estudo é que esse profissional é considerado passivo às questões sociais, e no seu ambiente de trabalho a biblioteca é considerada um ambiente discriminatório.

O caminho para a reflexão crítica sobre a ética pode ter lugar em uma possível “ética profissional”. Mas a expressão já carrega em seu significante o “conflito” ética x moral. Seria possível, de fato, uma ética da profissão, ou estaríamos apenas abordando questões morais de práticas locais de atuação do bibliotecário? As “leis ranganathanianas”, por exemplo, seriam fundamentos éticos, ou fundamentos morais para o exercício de uma atividade profissional em instituições informacionais?

Tendo em vista que esse campo da Filosofia se debruça na criação de valores universais, e que uma ética profissional tem por objetivo garantir o bem de um campo profissional, considera-se que ética “é de todos e para todos” – elemento comum e fonte para qualquer reflexão no agir bibliotecário. O exercício de reflexão sobre uma suposta ética profissional pode revelar a estrutura exclusivista do trabalho, por exemplo. Sem esse tipo de atividade reflexiva nenhuma profissão poderá se manter crítica diante dos conflitos morais que, dentre tantas funções, permitem a transformação da ordem social vigente. As reflexões constantes e a crítica permanente de todas as práticas profissionais devem guiar o aprimoramento de uma práxis bibliotecária focada na mutação do sujeito atrás e diante dos livros na direção da igualdade.

Algumas fontes

LEETEN, Lars. Ética da receptividade: aspectos de uma filosofia moral segundo Jean-François Lyotard. Trans/Form/Ação. Marília, v.38, n.1, jan./abr. 2015, p.133-146

SILVA, Ana Claudia Pérpetuo de Oliveira da. É preciso estar atento: a ética no pensamento expresso dos líderes de bibliotecas comunitárias. 2011. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.

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