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Da hipótese mallarmaico-blanchotiana

[...] não manteria o leitor em alerta, a duração do livro,

com apelo a seu poder de entusiasmo. [...]

(MALLARMÉ, 2010, p. 184)

O poeta e teórico da literatura francês Mallarmé é conhecido por sua transformação da literatura e pelas propostas radicais para a escritura e seu método.

A interpretação de Maurice Blanchot do pensamento mallarmaico recupera algumas noções centrais para a discussão do desdobramento do mundo informacional no século XX, ainda que seu intuito esteja na crítica literária, ou seja, no território da estética e seu discurso. “O Livro: o que significa essa palavra para Mallarmé?”, pergunta-se Blanchot (2007, p. 327).

"A partir de 1866, ele sempre pensou e disse a mesma coisa. Entretanto, o mesmo não é sempre o mesmo. Uma das tarefas seria a de mostrar por que e como essa repetição constitui o movimento que lhe abre, lentamente, um caminho. Tudo o que ele tem a dizer parece fixado desde o começo e, ao mesmo tempo, os traços comuns só o são grosseiramente." (BLANCHOT, 2005, p. 327)

A construção mallarmaica aborda o “Livro” para além do “livro” e para aquém do “livro”: a múltipla potencialidade do conceito se apresenta para um processo de destruição e de reinauguração da coisa; e a coisa se reapresenta como potência de reinauguração e de destruição do conceito - “Traços comuns: o livro, que desde o começo já é o Livro, o essencial da literatura, é também um livro, ‘simplesmente’.” (BLANCHOT, 2005, p. 327-328).

O projeto do – ou a condição de se projetar o – “livro” já está condicionado à certa “pluralidade” da significação e da ressignificação do “livro.

"Outro traço invariável: desse livro, ele vê primeiro a disposição necessária, livro ‘arquitetural e premeditado, e não uma compilação de inspirações do acaso, mesmo que maravilhosas’. [...] parece havê-lo destinado a não escrever mais do que poemas nulos, isto é, a dar força e existência poética somente àquilo que existe fora de tudo (e fora do livro que é esse tudo), mas, assim fazendo, a descobrir o próprio centro do Livro." (BLANCHOT, 2005, p. 328-329, grifo nosso)

Entre a possibilidade de uma poética radicalmente aberta e a concepção do “livro”, existe, ao mesmo tempo, a precisão do “livro”: força e contra-força do que é inaugural.

"O que significam as palavras ‘premeditado, arquitetural, delimitado, hierarquizado’? Todas indicam uma intenção calculadora, a disposição de um poder de extrema reflexão, capaz de organizar necessariamente o conjunto da obra. [...] Em princípio, é sempre a mesma vontade de uma forma regrada e reguladora." (BLANCHOT, 2005, p. 329, grifo nosso)

Mallarmé (2007, p. 180) estabelece a possibilidade de mutação completa do livro e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de sua condição estanque sumária: de um lado, “desdobrado em meio ao maciço, o deixarei [o livro], também as palavras flores em seu mutismo e, tecnicamente, proponho, notas como esse farrapo difere do livro, ele supremo.”; de outro, “intervenção da dobradura ou o ritmo, inicial causa que uma folha fechada, contenha um segredo, o silêncio aí permanece, precioso e signos evocatórios sucedem, para o espírito, a tudo literariamente abolido.” (p. 181).

Em outros termos, a visão mallarmaica apresenta o livro como “expansão total da letra”, que deve dela retirar, “diretamente, uma mobilidade e espaçoso, por correspondências, instituir um jogo, não se sabe, que confirme a ficção”. (p. 182). Em princípio, a “hipótese mallarmaico-blanchotiana” e a tensão de sua dialética entre o “rigor positivo” e a “poética do acaso” estabelece para nossa visão o encontro entre a positivação do livro – expressão na epistemologia informacional nascitura manifestada pela “bibliometria” -, mas, ao mesmo tempo, de sua angustiante incompletude, abertura à totalidade nunca finda, só resolvida com uma noção de pluralidade de fundo melot-taffiniana, que conjunta o “total” no “desejo”, para retomar o jogo entre “universalismos” e “l”calismo" da cultura bibliográfica.

Algumas fontes

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