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Corpus inscriptionum & etnobibliografia: o grafito do traço na narrativa do outro

O que chamamos de diálogo entre as “hipóteses” mallarmaico-blachotianas e melot-taffinianas é resultado de um modo de apreensão da realidade sócio cultural específico, o qual tratamos como etnobibliografia.

O confronto das “hipóteses” estabelece a reflexão sobre o profundo enraizamento na cultura bibliográfica não só do Ocidente moderno, como em sua travessia na Antiguidade e no Medievo, e bem como seu poder nas civilizações orientais.

Mallarmé (2010) e a interpretação mallarmaica tecida por Blanchot (2005) demonstram a condição da potência (não inovadora) do livro como signo de uma civilização muito mais ampla que a própria “ideia compacta” de uma civilização, ao mesmo tempo em que demonstra como o signo de um espaço-tempo, em nossa invenção da ideia de homem se estabelece na condição da passagem da escrita para o livro, ou do grafismo para o bibliografismo – em alguns casos, praticamente a passagem de uma não-positividade simbólica para uma positividade simbólica em sua completa estrutura.

Estas últimas observações são a força hermenêutica do ponto de vista de Melot (2007), complementadas pela manifestação pontual das fotografias de Nicolas Taffin. Com a galeria de imagens taffinianas, compreende-se a força simbólica do objeto enquanto objeto, do objeto enquanto imagem do objeto, da imagem do objeto enquanto imagem e, por fim, da imagem enquanto retorno, sugestão, signo do objeto.

Dadas as condições especulativo-teóricas de nossa abordagem, procuramos lançar brevemente a discussão sobre o etno de nossa bibliografia. Como indica Mauss (2007) em seu Manuel d’etnographie, a etnografia enfrenta dificuldades como a subjetividade e a materialidade. A primeira, responde pelo risco de uma observação superficial; a segunda, pelos limites de reconhecimento dos objetos, seu colecionamento e sua catalogação, na busca pela identificação dos materiais como fatos sociais.

É neste sentido que Mauss (2007) aponta um dos princípios prioritários dos aspectos da observação está no método filológico, que consiste em recolher narrativas, constituindo uma coleção de variantes e desenvolvida sua classificação e sua categorização. Ou seja, “dentro” da própria experiência de trabalho do etnógrafo, se insere uma espécie de auto-etno-bibliografia.

A classificação de Mauss (2007, p. 29) para planejamento do estudo de uma sociedade se desenvolve a partir de a) morfologia social (que inclui demografia, geografia humana e tecnomorfologia); fisiologia social (que abarca técnicas, estéticas, economia, direito, religião, ciência); fenômenos gerais (como língua, fenômenos nacionais, internacionais).

Acerca dos instrumentos de coleta dentro dos métodos de observação, Mauss (2007) indica que o primeiro consiste em um caderno de notas, onde é registrado cada dado observado. A partir das anotações, o pesquisador virá compor um inventário dos objetos recolhidos, sendo para cada objeto observado, uma ficha descritiva, “détaillée, établie en double”. (MAUSS, 2007, p. 31).

Ainda na descrição dos modos de observação, Mauss (2007) aponta para a distinção dos métodos de registro e de observação material de uma parte e os métodos de observação e de registro morais de outra parte. Entre os métodos de observação material, encontram-se o método morfológico ou cartográfico (que procura posicionar sociogeograficamente a população investigada); o método fotográfico (que responde pelo registro de todos os objetos); método fonográfico (que responde pelo registro fílmico); método filológico (que procura conhecer a língua indígena); método sociológico (que considera centralmente a história de uma dada sociedade).

O conjunto de tais modos de apreensão das realidades locais-culturais, insistimos, atravessa, antes, um modo tipicamente bibliográfico de pensar-fazer conhecimento.

Na visão de Malinowski (1978, p. 33), suas clássicas considerações ao método etnográfico apontam para um horizonte determinado a partir de três percursos distintos, que complementam esta pré-etnobibliografia já inserida na experiência tradicional do antropólogo de campo:

"1. A organização da tribo e a anatomia de sua cultura devem ser delineadas de modo claro e preciso. O método de documentação concreta e estatística fornece os meios com que podemos obtê-las; 2. Este quadro precisa ser completado pelos fatos imponderáveis da vida real, bem como pelos tipos de comportamento, coletados através de observações detalhadas e minuciosas que só são possíveis através do contato íntimo com a vida nativa e que devem ser registradas nalgum tipo de diário etnográfico; 3. O corpus inscriptionum – uma coleção de asserções, narrativas típicas, palavras características, elementos folclóricos e fórmulas mágicas – deve ser apresentado como documento da mentalidade nativa. Essas três abordagens conduzem ao objetivo final da pesquisa, que o etnógrafo jamais deve perder de vista."

A experiência do corpus de inscrições remete-nos a um dos (provavelmente o primeiro) pressupostos etnobibliográficos – seria uma meta-etnobibliografia ou epistemo-etnobibliografia – estudo da cultura bibliográfica do cientista e do antropólogo ou da cultura de registros dos homens ditos cientistas, fundamentalmente, homo bibliographicus.

Algumas fontes

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia da biblioteca jardim. Porto Alegre: ed. da UFRGS, 1997.

ARAÚJO, André Vieira de Freitas. Pioneirismo bibliográfico em um polímeta do Séc. XVI: Conrad Gesner. Informação & Informação, [S.l.], v. 20, n. 2, maio/ago. 2015. ISSN 1981-8920. [Número Temático: I Seminário Internacional "A Arte da Bibliografia: ferramentas históricas, problemas metodológicos e práticas contemporâneas"]. Disponível em: <http:www.uel.br/revistas/informacao/>. Acesso em: 15 ago. 2015.

BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

CALIL JÚNIOR, Alberto. Uma etnografia do mundo espírita virtual: algumas aproximações metodológicas. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 10, n. 10, p. 117-136, outubro de 2008.

CURTIUS, Ernst Robert. Literatura europeia e Idade Média latina. São Paulo: Edusp, 2013.

DEBRAY, Régis. Prefácio à edição francesa. In: MELOT, Michel. Livro,. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2012. p. 15-18.

MALINOWSKI, Bronislaw K. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

MALLARMÉ, Stéphane. Divagações. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2010.

MARTELETO, R. M. 'Lugares de Signos' e contextos de informação: A Biblioteca como metáfora dos conhecimentos modernos. Revista de Biblioteconomia de Brasília, Brasília, v. 20, n.20, p. 241-246, 1996.

MAUSS, Marcel. Manuel d’ethnographie. Paris: Éditions Payol, 2007.

MELOT, Michel. Livro,. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2012.

OTLET, Paul. El Tratado de documentación: el livro sobre el livro: teoría y práctica. Tradução de María Dolores Ayuso García. Murcia: Universidad de Murcia, 1996.

SALDANHA, G. S.; ELIAS JUNIOR, Alberto Calil . Etnobibliografia: entre as hipóteses mallarmaico-blanchotiana e melottaffiniana. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciência da Informação (XVI ENANCIB 2015), 2015, João Pessoa. Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciência da Informação (XVI ENANCIB 2015). João Pessoa: UFPB, 2015. v. 1. p. 0-20.

WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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