top of page

Contra-hegemonia na Ciência da Informação: na direção das temáticas africana e afrobrasileira

Dado o contexto de constituição hegemônica do discurso informacional anglo-americano como marca de (re)institucionalizações, a partir dos anos 1960, do que passou a se chamar, nos Estados Unidos, de Library and Information Science, a crítica epistemológica de fundo sócio-histórico se estabeleceu nas últimas décadas como fonte para o olhar que permitisse uma reorientação das interpretações sobre o processo de construção do campo.

Não se trata apenas de “novas propostas críticas”, mas também de uma crítica (meta)histórica, interessada em rever os mitos de origem e de (re)invenção, bem como os métodos socioepistêmicos de constituição de tais abordagens (ou seja, o “como” é feita a nossa história).

Nesse cenário, são exemplos os trabalhos de Estivals (1981), na França, García Gutiérrez (2011) na Espanha, Mostafa (1985) no Brasil. Na linhagem historiográfica, identificamos, por exemplo, Rayward (1996). No entanto, no próprio contexto anglo-americano, constituiu-se também uma crítica à ausência da historicidade dos discursos sobre uma cientificidade do campo informacional, bem como seu silêncio diante dos dilemas sociais remotos e contemporâneos. São exemplos dessas críticas os trabalhos de Frohmann (2004) e Day (2001, 2005). É no encalço do lastro crítico no plano epistemológico e historiográfico que vemos se estabelecer um conjunto de lutas epistêmicas para o reposicionamento de tais dilemas sociais na paisagem da pesquisa e do trabalho biblioteconômicos.

Na plataforma comum de tais discursos encontram-se as denúncias da negligência ou do apagamento das lutas sociais, da pluralidade cultural, das dinâmicas de opressão e do avanço das desigualdades socioeconômicas, incluindo as condições interseccionais como gênero, etnia, classe, idade. Trata-se de um conjunto de fenômenos colocados como paralelos e nunca preponderantes na afirmação epistemológica do campo, afetando, assim, o desenvolvimento da formação de profissionais e de pesquisadores capazes de pautar e de aprofundar todas as aporias que se colocam no plano social.

A partir dessa dinâmica crítica podemos debater o questionamento epistemológico e seus impactos na formação para o campo profissional e acadêmico de sujeitos no entorno da chamada (internacionalmente) Library and Information Science. Colocando em foco um dos mais centrais problemas da construção do discurso informacional, podemos, por exemplo, especificamente, reconhecer o desenvolvimento (ou a ausência) das temáticas africana e afro-brasileira na constituição do bibliotecário brasileiro.

No fim de 2016, foi concluída uma pesquisa (SILVA, 2016) com docentes de Biblioteconomia de uma universidade estadual do sul do Brasil a qual visou compreender a inserção da História e Cultura Africana e Afro-brasileira na formação do bibliotecário. A partir desse estudo e dos discursos coletados na ocasião, detectou-se alguns pontos importantes que compuseram os resultados da pesquisa, dentre eles, a prática docente com vistas à inserção do referido tema. Indicamos que este estudo possui uma natureza estruturalmente qualitativa, o que demarca a necessidade de um corpus pequeno com foco na amostra de uma comunidade de docentes. Para essa etapa, optamos por um enfoque descritivo de apresentação dos resultados da pesquisa, reconhecido o espaço-tempo para a apresentação deste trabalho.

No plano contra-hegemônico, a partir das problemáticas epistemológicas e historiográficas lançadas, pode-se ampliar a discussão das temáticas nas práticas docentes, bem como a importância manifestada por eles sobre a História e Cultura Africana e Afro-brasileira na formação do bibliotecário, em diálogo com a crítica epistemológica de constituição do campo informacional no cenário mundial e seu impacto no pensamento biblioteconômico-informacional brasileiro.

Algumas fontes

ALMEIDA, N. B. F. de. Biblioteconomia no Brasil: análise dos fatos históricos da criação e do desenvolvimento do ensino. 160 f., 2012. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília; Faculdade de Ciência da Informação (FCI), Brasília (DF), 2012.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução nº 1, de 17 de julho de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais

e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de junho de 2004, Seção 1, p. 11.

BERGER, P.; LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento, trad. Floriano Fernandes, 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1978.

BOTTENTUIT, A; CASTRO, C. Movimento Fundador da Biblioteconomia no Maranhão. São Luís: Impresa Universitária, 2000.

BRASIL. Câmara dos Deputados. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara Superior de Educação. Parecer CNE/CES nº 492, de 3 de abril de 2001. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001a.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara Superior de Educação. Parecer CNE/CES nº 1.363, de 12 de dezembro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001b.

BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.639/03, de 09 de janeiro de 2003. Brasília (DF), 2003.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. CNE/CP Resolução 01/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de junho de 2004, Seção 1, p. 11. 2004a.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer N.º CNE/CP 003/2004, de 19 de Maio de 2004. Diário Oficial da União, Brasília(DF), 2004b.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Diário Oficial da União, Brasília(DF), 2008.

CARDOSO, F. do C. O negro na biblioteca: medicação da informação para a construção da identidade negra. Curitiba: CRV, 2015. 114 p.

CARDOSO, L. O branco “invisível”: um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (1957-2007). (Dissertação de mestrado) – Universidade de Coimbra, Faculdade de Economia e Centro de Estudos Sociais, 2008.

CARDOSO, L. O Branco-Objeto: o Movimento Negro situando a Branquitude. Instrumento: Revista de Estudo e Pesquisa em Educação. Juiz de Fora, v. 13, n. 1, jan./jun. 2011.

DAY, R. Poststructuralism and information studies. Annual review of information scicence social and technology (ARIST), v. 39, p. 575-609, 2005.

DAY, R. The Modern invention of information: discourse, history and power. Illinois: Southern Illinois University Press, 2001.

DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo. 2007, v. 12, n. 23, p.100-122.

ESTIVALS, R. A Dialética contraditória e complementar do escrito e do documento. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 121-152, set. 1981.

FANON, F. Peles Negras, Máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

FONSECA, M. V. A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil. Bragança Paulista: ESUSF, 2002.

FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004.

FROHMANN, B. Rules of indexing: a critique of mentalism in information retrieval theory. Journal of Documentation, v. 46, n. 2, jun. 1990.

GARCÍA GUTIÉRREZ, Antonio. Epistemología de la Documentación. Barcelona: Stonberg Editorial, 2011.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA; D. T. (Org.) Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. 120 p.

GORDON, L. Prefácio. In: FANON, F. Peles Negras, Máscaras brancas. Tradução de Renato da

Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

GUIMARÃES, A. S. A. A questão racial na política brasileira (os últimos quinze anos). Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 13 (2): 121-142, novembro de 2001.

FERREIRA, M. L. A. G.; CALDEIRA, P. da T.; BAHIA, M. A.; ARAÚJO, M. E. B. Currículo Mínimo de Biblioteconomia. Revista da Escola de Biblioteconomia da UFMG, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 92-99, mar. 1977.

LEFREVE, A. M. C.; CRESTANA, M. F.; CORNETTA, V. K. A utilização da metodologia do discurso do sujeito coletivo na avaliação qualitativa dos cursos de especialização “Capacitação e Desenvolvimento de Recursos Humanos em Saúde-CADRHU”, São Paulo – 2002. Saúde e Sociedade, v. 12, n. 2, p. 68-75, Jul./Dez., 2003.

LEFREVE, F.; LEFREVE, A. M. Depoimentos e discursos: uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília: Liber Livro Editora, 2005. 97 p.

MOSCOVICI, S. Representações Sociais: Investigações em Psicologia Social. Trad. Pedrinho A. Guareschi. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 404 p.

MOSTAFA, S. P. Epistemologia da Biblioteconomia. 1985. 147 f. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985.

PASSOS, J. C. As Relações Étnico-Raciais nas Licenciaturas: O que dizem os Currículos Anunciados. Poiésis, Tubarão. v.8, n.13, p. 172 - 188, Jan/Jun, 2014a.

PASSOS, J. C. dos P. Juventude Negra: escolarização e herança das desigualdades no Brasil Contemporâneo. In: SCHERER-WARREN, Ilse; PASSOS, Joana Célia dos Passos (Orgs.). Relações Étnico-Raciais nas Universidades: os controversos caminhos da inclusão. Florianópolis: Atilènde, 2014b. 148 p.

PEREIRA, A. A. O “Atlântico Negro” e a constituição do Movimento Negro Contemporâneo. Perseu, n. 1, v. 1, 2007.

RAMOS, A. G. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Andes. 1957.

RAYWARD, W.B. The History and historiography of information science: some reflections. Information and Management, v. 32, n. 1, p. 3-17, 1996.

ROUBAKINE, N. Introduction a la psychologie bibliologique; v.1 Paris: Association Internacionale de Bibliologie, 1998a.

ROUBAKINE, N. Introduction a la psychologie bibliologique; v.2. Paris: Association Internacionale de Bibliologie, 1998b.

SANTOS, J. P. Reflexões sobre Currículo e Legislação na área da Biblioteconomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, v. 3, n. 6, 1998.

SCHUCMAN, L. V. Entre o Encardido o Branco e o Branquíssimo: Branquitude Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2014. v. 1. 191 p.

SHERA, J. H. Epistemologia Social, semântica geral e biblioteconomia. Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 9-12, 1977.

SILVA, L. K. R. da; AQUINO, M. de A. Bamidelê: por uma Sociologia da Informação Étnico-Racial na organização das Mulheres Negras da Paraíba. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação e Biblioteconomia, João Pessoa, v. 8, n. 1, p. 001-010, 2013.

SILVA, F. C. G. da. A inserção da temática Africana e Afro-brasileira no ensino de Biblioteconomia da Universidade do Estado de Santa Catarina. 2016. 164 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

SILVA, Franciéle C. G. da; PIZARRO, Daniella C.; SALDANHA, Gustavo S. As temáticas Africana e Afro-Brasileira em Biblioteconomia e Ciência da Informação. In.: Anais do XVIII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (XVIII ENANCIB). Marília (SP), 2017.

SOUZA, F. das C. de. O Modelo Educacional e seu Impacto sobre a Dimensão Pedagógica da Ciência da Informação. Em Questão, Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 123-142, jan./jun. 2004

SOVIK, L. Aqui ninguém é branco: hegemonia branca no Brasil. In: WARE, V. (Org.). Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond. 2004.

Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
Siga
bottom of page