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Do movimento negro à inclusão das temáticas africana e afro-brasileira na formação em Biblioteconomi

A luta pelo (re)conhecimento da história e cultura dos afrodescendentes no Brasil se constituiu historicamente em diferentes marcos. Embora o movimento negro exista desde o período da escravidão, foi a partir da década de 1970 que estes movimentos sociais trouxeram a questão étnico-racial enquanto pauta de discussão na política e exigiram a inclusão de ações e políticas de redução da desigualdade educacional visando a reparação aos afrodescendentes. (PASSOS, 2014a).

Juntamente com a população indígena, as populações afrodescendentes foram impedidas de frequentar os bancos escolares com a criação da Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837 que proibia escravizados e libertos de frequentarem as escolas públicas do país (FONSECA, 2002). Além disso, a ideologia do branqueamento e a intensa imigração de trabalhadores europeus para servirem de mão de obra após a abolição da escravidão auxiliaram para que estas populações fossem impedidas de acessar bens, recursos e serviços que elas próprias ajudaram a construir. (PASSOS, 2014b).

A partir da atuação destes movimentos, começaram a surgir ações para a inclusão do negro na sociedade brasileira que era, e ainda é, dominada pela elite branca. Entre as ações desenvolvidas, houve a mobilização para a criação de grêmios, clubes e associações negras com o intuito de dar assistência e de ser um espaço recreativo ou cultural para estas populações (DOMINGUES, 2007).

No tocante à educação, as lutas dos movimentos sociais negros oportunizaram que fossem criados instrumentos normativos para a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-brasileira em sala de aula. A inclusão das temáticas começou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes e bases para a educação brasileira (BRASIL, 2010). No ano de 2003, foi criada a Lei Federal nº 10.639/03 que alterou a LDB e passou a estabelecer a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares (BRASIL, 2003). Posteriormente, em 2008, houve a criação da Lei Federal nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino de Cultura e História Indígena nas instituições de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares brasileiras (BRASIL, 2008).

A criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira em Instituições de ensino, incorporou nos níveis de ensino e modalidades da Educação Brasileira a inserção das temáticas (BRASIL, 2004a). Além disso, o Parecer CNE/CP 03/2004 (BRASIL, 2004b) irá indicar que as Instituições de Ensino Superior incluam “nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004”.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais (DCNs) (BRASIL, 2004a) estabelecem ações sobre as temáticas que podem ser inseridas nas grades escolares com o propósito de qualificar os profissionais e professores, bem como, orientar para a abordagem da História e Cultura Africana e Afro-brasileira.

Em relação ao ensino superior, as DCNs propõem, por exemplo, que seja inclusa a Educação das Relações Étnico-Raciais, “conhecimentos de matriz africana” e “que dizem respeito à população negra”, em conteúdos das disciplinas e atividades curriculares do ensino superior, desde que respeitada a autonomia da Instituição (BRASIL, 2004a, p. 24).

Nos cursos de Biblioteconomia no sul do Brasil ainda não foram observadas em suas matrizes curriculares disciplinas específicas sobre estas temáticas, até o presente momento. Nessa direção, é passível o questionamento sobre as possíveis práticas que poderiam incorporar este conteúdo em outras disciplinas e até mesmo a importância dada às temáticas pelos docentes da área.

A educação bibliotecária é construída e constituída socialmente por meio de um coletivo de bibliotecários (na sua maioria), o qual interage entre si com seus próprios órgãos de classe, associações profissionais, mundo do trabalho e sociedade. Assim, entendemos que não é somente responsabilidade das escolas de Biblioteconomia a inserção e promoção das temáticas nas ações e práticas dos bibliotecários, entretanto, as mesmas são, muitas vezes, o primeiro espaço de socialização e formação do futuro bibliotecário. E dessa forma, cabe a elas contemplar todas temáticas pertinentes que viabilizem um pleno exercício ético-político da profissão.

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