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As bibliotecas na construção da paz

Um relato de experiência em Colômbia, Bogotá D.C...

1. Sobre minha formação

Meu nome é Débora, sou Especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde pela Fiocruz e Bibliotecária. Fui orientanda do Dr. Gustavo Saldanha na graduação, investigando Ética, Deontologia e Código de Ética do Conselho Federal de Biblioteconomia. Na pós-graduação fui orientanda da Dr. Kizzi Mendonça (FIOCRUZ/UFRJ) e realizamos um projeto de investigação em Biblioterapia usando a metodologia de análise de redes sociais. Minha linha de pesquisa está atualmente direcionada para os domínios da Ética, Biblioterapia e da Biblioteconomia social.

1.1 Estadia na Colômbia

Apesar de aprovada em concurso público desde 2016, ainda não fui convocada para tomar posse. E diante do triste quadro político e econômico do Brasil, resolvi migrar para Colômbia em busca de oportunidades acadêmicas e profissionais ano de 2017.

Ao mesmo tempo, não tem sido fácil ficar na Colômbia. O país virou um refúgio para os venezuelanos diante do contexto político conturbado que a sociedade vizinha enfrenta. Com a grande demanda de imigrantes, o governo tem dificultado a legalização e a permanência. Apesar da burocracia, já me encontro em condições legais para trabalhar e estudar.

Esse ano representa a minha terceira viagem para Colômbia. Em 2015 eu vivi aqui durante cinco meses; em 2016, vinte dias, e esse ano estou no país desde janeiro.

2. Curiosidades sobre o curso de Bibliotecología

Desde que cheguei à Colômbia, em 2015, tentei entender como é a formação em Biblioteconomia e a vida das bibliotecas. Um dos motivos de escolher o país para uma possível vida a seguir é por ser uma das grandes nações da América do Sul com projetos em disseminação da cultura apropriando-se da biblioteca como promotora. Além disso, a Colômbia tem dados impressionantes de diminuição da violência usando como ferramenta uma política social com grande investimento na cultura, na educação e preservação da memória.

Em Bogotá onde fiquei hospedada temos três universidades que oferecem o Curso de Bibliotecología. Todas elas são privadas, com semestralidades a cerca de sete milhões de pesos por semestre, o que equivale na atualidade a aproximadamente oito mil reais.

Apenas duas universidades oferecem curso de pós-graduação em Biblioteconomia & Ciência da Informação, ambas nível stritu senso, um mestrado é de nível profissional e está direcionado a Arquivologia, já que aqui as duas carreiras se especializam juntas, ou seja, o arquivista e o bibliotecário são um só profissional. O outro mestrado é acadêmico, mas com temáticas para história e arquivista também. Apenas uma universidade na Colômbia possui curso em Ciência da Informação a Universidade de Antioquia em Medellín. Existe ainda outra formação no país em nosso campo: curso Técnico em Bibliotecología, sobre o qual não possuo informações sobre o projeto pedagógico e o mercado de atuação dos profissionais.

2.1 Curiosidades sobre as bibliotecas

As bibliotecas conhecidas como principais de Bogotá são: Biblioteca Nacional, Biblioteca Luís Ángel Arango, Biblioteca Pública El Tintal Manuel Zapata Olivella, Biblioteca Publica Gabriel García Marquez, Biblioteca Pública Virgilio Barco, e Biblioteca Pública Julio Mario Santo Domingo. As bibliotecas públicas são aquelas reconhecidas na América Latina como “bibliotecas parque”. Com exceção da Biblioteca Nacional e da Biblioteca Luís Ángel Arango, todas as demais estão localizadas fora do centro da cidade e possuem parques de mais ou menos 38.816 m². As bibliotecas são lugares de reunião, estudo e lazer.

As bibliotecas públicas são administradas pela Biblored – Red Distrital de Bibliotecas. Para atuar nas bibliotecas é necessário se apresentar no período das convocatórias. O trabalho é formalizado por um contrato que, normalmente, ocupa o período de seis meses.

Os cargos operacionais são realizados por estudantes das áreas de ciências humanas, mas não estão ali como estagiários e, sim, contratados. Os estagiários de Biblioteconomia são enviados pela universidade a locais onde foram apresentadas demandas por uma instituição pública, e não recebem salário. Ou seja, qualquer instituição pública que percebe a necessidade de um estagiário de Biblioteconomia faz um requerimento à universidade, e a instituição encaminha a cada semestre os estudantes que necessitam do estágio obrigatório.

Em Bogotá existem quatro bibliotecas que fazem parte da Biblored que são nomeadas como Bibliotecas maiores, além desse grupo existem o grupo de bibliotecas locais que possui seis bibliotecas, e por fim o grupo de bibliotecas de bairro que conta com dez bibliotecas. Ao total Biblored administra vinte bibliotecas em Bogotá. Porém, além desta, existe outra rede pública de bibliotecas, a rede do Centro Cultural Banco da República.

O Banco da República é um banco público que foi fundado na época do império. A biblioteca do banco visava ao atendimento apenas da demanda interna, mas na década de 1930 um gerente do banco propôs a expansão do acesso.

Então foi criada uma subgerência chamada Centro Cultural, sendo a rede de bibliotecas um departamento dessa subgerência. Mesmo a biblioteca sendo administrada pelo banco de caráter público, seus serviços são parcialmente gratuitos. Para filiar-se o consulente precisa pagar uma cota. Em Bogotá só existe uma biblioteca dessa rede, e foi a primeira a ser fundada. Trata-se da Biblioteca Luís Ángel Arango.

Na promoção da leitura a prefeitura de Bogotá administra Libro al viento, se trata de um fomento para editar, publicar e distribuir livros de graça. A distribuição desses, e outros livros ocorrem em pontos que estão espalhados pela cidade desde parques até estações de ônibus. Libro al viento é reconhecido no Manifesto da Bibliotecas Públicas da UNESCO como uma experiência bem sucedida. Para trabalhar nos pontos de leitura da prefeitura é só aguardar abrir convocatória (um concurso público baseado na análise de currículo).

3.Processo de paz

A Colômbia tentou nove um processo de paz do governo com os grupos armados. Até ano passado o clima no país era de instabilidade, pois as operações contra a corrupção atingiram o presidente Manuel Santos. E sua renúncia foi discutida por parte da população. Ademais as promessas que o presidente fez para a paz além de ir contra a opinião pública que as julgavam injustas, o governo não tem dinheiro suficiente. Então o presidente cortou quase pela metade o orçamento das instituições públicas para cumprir com as suas promessas feitas no acordo de paz em Havana.

Como Colômbia já vive há cinquenta anos nessa guerra civil promovida pelos grupos armados e o governo, o povo está dividido entre os que não aguentam mais a violência e o subdesenvolvimento e querem o fim do conflito de qualquer jeito (como o presidente Manuel Santos) e os que querem vingança contra os grupos armados (como o ex-presidente Rafael Uribe).

Em 2016 houve um plebiscito para saber o que o povo aceitava o acordo de paz do governo, e a maioria dos votos foi que não aceitavam. Por sua vez, contrariando a opinião pública, o presidente seguiu com o plano de paz e firmou acordo entre o governo e os grupos armados. Um dos acordos mais polêmicos foi à legalização das Forças Armadas Revolucionarias Colombianas (FARC) como partido político.

4. Projetos EcceLiber

O marco da assinatura do acordo de paz entre o governo e os grupos armados iniciou o período pós-conflito, que é o futuro, tudo que se está vivendo agora, o período do conflito foi a guerra civil entre os grupos guerrilheiros e o governo até começar a negociação de paz em 2013.

Esse ano é o primeiro ano (2017) pós-conflito, o governo e as demais iniciativas (escolas, universidades, instituições privadas, comunitárias e filantrópicas), estão realizando atividades com todos para a promoção da paz, reconciliação e convivência.

Pensando nessa temática de paz percebi que se encaixava muito bem com a linha de pesquisa que normalmente estou inclinada a investigar: Biblioteconomia social. Então comecei a pesquisar sobre bibliotecas e atos de paz e descobri que a Biblored tem um programa de extensão, com o tema paz e inclusão social destinado às vítimas do conflito. Uma das atividades realizadas nesse programa são oficinas para as vitímas do deslocamento forçado.

Entrei em contato com uma das bibliotecárias e a equipe se ofereceu em enviar-me as informações que preciso para escrever sobre o projeto. Já trocamos e-mail e já tenho material para começar, embora faltem mais informações sobre o projeto em si.

Na Biblioteca Luís Ángel Arango os profissionais estão realizando o projeto “La Paz se toma la Palabra”. Esse projeto faz parte de um programa nacional de paz, conciliação e convivência. Tem por objetivo criar uma rede de mediadores de paz.

Existem vários projetos nesse programa. Felizmente consegui uma reunião com os bibliotecários responsáveis por esse projeto, e também estão disponíveis para me ajudar com informação para escrever sobre o programa La Paz se toma la Palabra. Os produtos desse projeto estão no site: http://proyectos.banrepcultural.org/proyecto-paz/.

A Biblioteca possui dois tipos de suportes para os mediadores: físicos e digitais. Os digitais estão reunidos no site, e os físicos são duas mochilas: uma contém material modelo para replicar nas oficinas criadas para o projeto, e a segunda mochila é chamada viajera, contém trinta livros para distribuir nos lugares que não tem acesso a bibliotecas.

Além de escrever sobre o pós-conflito na Colômbia a e participação da comunidade bibliotecária, estou criando fotos para o dossiê Bibliotecas de Bogotá busco reunir fotos de toda as grandes mencionadas.

Outro projeto que estou envolvida é em Biblioterapia. Fui convidada por um psicólogo/orientador de um colégio público para realizar um tratamento usando como ferramenta a Biblioterapia para crianças da primária com dificuldade lecto-escritoras. Os encontros começaram uma vez por semana, e agora são duas vezes na semana, pois a aderência ao projeto foi muito boa, e aumentou a demanda para Biblioterapia.

Algumas considerações derradeiras…

Estou muito feliz de poder testemunhar a transformação social que uma biblioteca pode causar, ainda mais num cenário de conflito e dificuldade de recursos.

Sinto-me muito orgulhosa por ser bibliotecária e acredito, que a partir de agora preciso disseminar essa informação e enviar uma mensagem de esperança e motivação para todos que trabalham como bibliotecários, e em bibliotecas.

[1] Os relatos de vivência foram dos anos: 2015,2016 e 2017. O texto foi produzido em 2017.

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