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Arcana-informatio e o Estado Metainformacional

O Estado Metainformacional reveste-se, pois, de um conjunto absolutamente rígido de “mistérios expressos”, de “segredos públicos” e de “silêncios povoados de alarido”. O uso das armas dos arcana-informatio não está vinculado apenas em absoluto (quase metafísico) ao “não dizer”, ao “não publicizar”, ao “evitar que a imprensa e o povo saibam”, mas, simultaneamente, está atrelado ao uso intenso, na contemporaneidade, de um jogo extremamente complexo.

Este jogo é ao mesmo tempo construído a partir de articulações de extrema “simplicidade” do trivium, retiradas, por exemplo, de exercícios primários de lógica aplicados retoricamente em gramáticas descontextualizadas, de circulação de dados, de escutas, de textos, de imagens.

Vejamos com Braman (2006) algumas das características principais daquilo que a autora trata como “Estado informacional”, mas que, para nós se enquadraria de maneira mais coerente como “Estado Metainformacional”:

  • The informational state knows more and more about individuals, while individuals know less and less about the state.

  • In the informational state, the panspectron has replaced the panopticon – in this contexte, in which information is gathered about everything, all the time, and particular subjects become visible only in response to the asking of a question

  • There is a gap between the identity of the informational state as perceived by those in government and as perceived by citizens.

  • While digital technologies could have expanded possibilities for public participation in voting via referenda, the technologies of today’s electronic voting machines reduce the confidence of individual voters that their votes will be accurately recorded and remain unmanipulated.

  • The individual disappears in the informational state into a probability.

  • Access to information is used by the informational state for proactive persuasive purposes.

  • The clarity with which those within the United States have understood whether they are, or are not, citizens has given way to uncertainty regarding both that identity and what it means in terms of rights and responsibilities.

  • The range of types of threats to freedom of speech is expanding. (Braman, 2006)

Em todas as características listadas por Braman (2006) podemos reencontrar o debate filosófico de Socrátes e Fedro, na conhecida fundamentação do problema da linguagem dentro da cidade. Podemos, do mesmo modo, encontrar as posições de Aristóteles e suas avaliações críticas sobre uma ética do discurso. Em termos gerais, podemos reconhecer o papel do trivium como a marca de constituição de um Estado Metainformacional. Nesse caso, em plena ocorrência de uma sofística cibernética. E, por fim, encontramos ainda toda a dialética do uso do mundo metainformacional para a exploração, o domínio, o controle: quanto mais o Estado sabe dos indivíduos, menos eles sabem do Estado; o mundo político (o mudo dos cidadãos) é dado pelo panspectron, ação permanente de varredura de dados dos indivíduos a todo momento e em todos os lugares; avanço das possibilidades de transparência do Estado inferior ao crescimento da desconfiança das práticas democráticas dos governos; o acesso à informação é adotado fundamentalmente para fins persuasivos de determinadas propensões ideológicas.

Os processos resultantes do trivium que permitem reconstituir picos de delírio coletivo e profundos vales cinzas de apaziguamento das almas, reestabelecendo outras coreografias para os sentimentos civis, de modo a engendrar uma “ética informe”, carente não do ato de transformação autorreflexivo, mas sempre de uma prótese (a informação) para lhe permitir “tomar a posição”, “mudar de lado”, “ir para rua”, ou “ficar parado para sempre diante de uma time line alegórica”, à espera de outras próteses. Não se pode, à moda pós-estruturalista, chegar ao ingênuo extremo de que os arcana e suas metodologias estão suspensas (ou extintas).

Eles estão hoje, no plano ideológico da linguagem, reconhecidos como arcana-informatio, manifestações concretas e dinâmicas de signos dispersos em fontes conectadas, usados em contínuo processo de recontextualização para a construção ou conservação de superestruturas programadas em espaços finitos de atuação do dominador.

No Estado Metainformacional a pulverização de dados é tão intensa quanto sua disseminação, e a falácia da preservação por proliferação é a desdita fé de “entrega” dos papéis institucionais clássicos do Estado às comunidades, tribos, organizações não-governamentais e culturas voluntárias, que podem dizer sim ou não na intermitência particular de suas escolhas.

É na linguagem, especificamente nos modos de fala, como indica a abordagem linguístico-marxiana de Bakhtin (2006), arena de confronto dos valores sociais contraditórios, onde os arcana-informatio estão, mais clara e tecnicamente ocultados do que nunca; e ao mesmo tempo disseminados em uma transparência ubíqua que estabelece sua condição estrutural na concretude do cotidiano informacional dos sujeitos.

Referência

SALDANHA, Gustavo Silva. Trivium, arqui-segredos e pós-verdades: Dos arcana imperii ao império simbólico no estado metainformacional. International Review of Information Ethics, v. 26, p. 91-103, 2017. Disponível em: <http://www.i-r-i-e.net/current_issue.htm>. 02 abr. 2018.

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