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A família Otlet, a colonização belga e a desclassificação - por Vinícios Souza de Menezes



No último sábado, 24 de outubro de 2020, o The Brussel Times, a maior mídia de notícias diárias em inglês da Bélgica, com mais de 2 milhões de visitas por mês, publicou o artigo Belgium’s Colonial Past: Commission urged to declassify archives. Nele é relatado que os arquivistas belgas pedem que uma série de arquivos relacionados ao passado colonial do país sejam desclassificados, em especial, os arquivos do Serviço de Segurança Colonial (Colonial Security Service). Se a Comissão Parlamentar Especial designada para investigar o passado colonial da Bélgica aprovar a solicitação dos arquivistas, cerca de quatro quilômetros de arquivos privados serão disponibilizados, inclusive de empresas como a Société Générale ou a Union Minière. Caso as questões jurídico-normativas acerca da sucessão legal dos arquivos do Serviço de Segurança Colonial sejam resolvidas e a desclassificação automática dos arquivos ocorra, no que concerne ao campo da Documentação, um horizonte de possibilidades se abrirá para os estudos histórico-epistemológicos de formação desse domínio do conhecimento.


Provavelmente, nesses arquivos aparecerão alguns vestígios das atividades de Édouard Otlet, empresário, industrial e pai de Paul Otlet, que financiou algumas campanhas de Leopoldo II no Congo. Alex Wright (2014) nos recorda, em Catalogando o Mundo: Paul Otlet e o nascimento da era da informação, que a primeira expedição civil ao Congo em 1886 foi organizada e financiada por ninguém mais ninguém menos que Édouard Otlet. O objetivo da viagem era reunir obras indígenas para um museu belga. Este propósito não foi atingido, contudo, o líder da viagem voltou com o filho de um chefe do Congo, um jovem chamado Mayalé, que passou a trabalhar como escravo na casa de Otlet.


Em 1888, Paul Otlet publicou o panfleto L’Afrique aux noirs. Nele Otlet dava continuação à voz paterna do espírito de civilização, também caracterizada nas primeiras proclamações do rei Leopoldo II acerca da África. Com as atrocidades no Congo sendo sistematicamente reveladas, Otlet, ainda assim, continuou a ver o rei Leopoldo II como um “visionário”. Em 1927, ele escreveu um tributo ao falecido rei (que havia morrido em 1909). Neste panfleto, Otlet reconheceu os aspectos problemáticos do projeto do Congo, mas julgou o rei Leopoldo II um “mestre sociólogo” e celebrou-o como “um grande homem cuja memória devemos manter”. Disse Otlet: “Leopoldo II era um rei de grandes ideias e grandes visões [...] um trabalhador, um construtor, um homem de realização.”


Por trás da retórica da paz e do internacionalismo, Paul Otlet lutou para conciliar a sua altivez pacifista com o colonialismo europeu, em especial, do Congo Belga: “O projeto do Congo é principalmente um empreendimento cristão e humanitário” e “os africanos são homens e irmãos que devemos livrar de sua longa decadência moral e intelectual”. Por mais de uma vez, Otlet declarou ser o Rei Leopoldo II – “um visionário” e caracterizou todo o projeto europeu na África como “uma grande missão civilizadora”, uma vez que a colonização fez com que os povos colonizados “apreciassem os benefícios da civilização”. Otlet e Leopoldo II compartilhavam a convicção da superioridade da cultura europeia. Com a desclassificação dos arquivos coloniais da Bélgica, outras veredas coloniais da família Otlet poderão ser conhecidas e a colonialidade do projeto da Documentação desclassificada. Descolonizar o pensamento é o que esperamos dos arquivos porvir.

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