COMO VERBALIZAR O TERMÔMETRO: fundamentos “sociológicos” para os estudos informacionais ou fundament
A primeira margem de discussão mais nítida para a compreensão dos intercâmbios conceituais entre os estudos sociais e os estudos informacionais se encontra nos diálogos entre Otlet (1934) e a fundamentação de abordagens tidas como “clássicas” no escopo do que se passou a tratar como “sociológico”, como é o caso de suas aproximações ao pensamento de Comte, Durkheim e Tarde, discutidos em Bezerra e Saldanha (2013).
Lembramos, no entanto, que tal margem não é, no entanto, pioneira. Como dito, torna-se, para o momento, “mais nítida”, na medida em que os indícios de tais trocas não estão apenas enunciados no Traité de Otlet, como são parte da tentativa de fundamentação do que o pensador belga procurar definir como Bibliologia. O aprofundamento crítico de uma epistemologia histórica tende, sem dúvida, a demarcar a imensa rede silenciosa de escambo terminológico, teórico e metodológico entre diferentes saberes e os estudos informacionais anteriores à Otlet. Sobre este caso, podemos previamente afirmar, outra linha indiciária evidente já se manifesta: a própria ramificação de influências otletianas lançada no Traité já demonstra este potencial em aberto.
Em outras palavras:
“Um dos modos mais objetivos para perceber como o pensamento em organização do conhecimento se constitui intimamente integrado à visão positivista das ciências sociais é analisar as propostas de Paul Otlet para a definição de bibliologia, ciência geral do livro. Como em Comte, Tarde e Durkheim, identificamos em seu Tratado de documentação (publicado em 1934, mas fruto de reflexões iniciadas ainda nos anos 1870) a comparação dos saberes sociais com as ciências exatas e naturais. Dá-se ali a tentativa de comprovar a existência de leis que agem sob e sobre o livro, o documento e a informação.” (BEZERRA, SALDANHA, 2013, p. 37)
De volta ao escopo “positivista-otletiano”, como apontam Bezerra e Saldanha (2013, p. 36),
“É possível estabelecer pontes entre o desenvolvimento de uma sociologia no Novecentos como contemporâneo à construção de uma metaciência social, dedicada à edificar a infraestrutura para preservação e para o fluxo dos saberes predicados como “sociais”. Essa relação está fundada, estruturalmente, no conceito de classificação, central no pensamento de Comte e também no de Otlet. A “classificação” em Comte, ainda mais próxima das classificações filosóficas, procura estabelecer um novo plano de organização da sociedade; em Otlet, busca sustentar a ordem do acesso ao conhecimento em uma escala internacional, com vistas ao progresso científico permanente, entendido como racionalização e ascensão da sociedade.”
É preciso reconhecer, pois, não apenas esta influência direta, como uma visão clara do ponto de vista histórico que se emaranhava na inflexão epistemológica. Se Otlet (1934), estabelece o diálogo direto com a fundamentação dos “estudos sociais”, ao mesmo tempo o autor antevê a impossibilidade do avanço de tais ciências (incluindo, objetivamente, sua própria “fundamentação”), sem a existência de uma “ciência bibliológica” que permitisse a ativação das “energias” que permitiriam a produção e a circulação do pensamento científico-social.
O resultado da busca pela cientificidade da Bibliologia otletiana recai, pois, na construção de um método específico, mas baseado no pensamento sócio-positivista, a bibliometria, capaz de compreender com “exatidão” a “medida” do livro, ou, termos descritivos, perceber todo o potencialmente de fluxo de “energias” existentes na condição das fontes de informação enquanto fontes de informação. E, para além da análise objetiva do “livro sob o livro”, trata-se de procurar as leis “sociais” que regem o fluxo de tais “energias”. Aqui chegamos à bibliossociometria, fundada na necessidade de compreensão dos efeitos sociais do livro, seus impactos e suas potencialidades. Estas potencialidades, por sua vez, estão fundadas em uma influência direta para a abordagem social do pensamento otletiano, a obra de Nicolas Roubakine.
Algumas fontes
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