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Da paisagem simbólica: organização dos saberes e as formas simbólicas

Retomemos pois aquilo que o “neodocumentalismo”, à primeira vista, repostula para a CI: a “materialidade”. Em geral, na direção contrária ao Fedro (PLATÃO, 2000), a Organização dos Saberes se estabelece tomando a oralidade como perigosa, no sentido de impossibilitar a “matéria registrada”, enquanto o “livro” possibilitaria a transmissão da memória.

A questão dos riscos da transmissão da mensagem oral – que é alertada por Lund (2009) – por conta da efemeridade de sua “materialização volátil”, nada tem de risco maior do que as inúmeras interpretações que um só documento pode receber. É isto que uma noção de “materialidade” que tratamos aqui procura alertar: não é a “materialidade” (fisicalismo) da “matéria em si” – o objeto propriamente dito em sua tridimensionalidade, o documento, a carta, o mapa – que nos interessa preservar e disseminar, mas também as “colagens” que são feitas sobre o documento, na espécie de dadaísmo simbólico que se dá pelo uso com um só objeto no tempo.

Esta relação ficaria mais claramente assim explicitada: como preservar e/ou conceder acesso a) além de uma fotografia original (memória da genuinidade e/ou da integridade), b) além do conjunto de reproduções deste documento (memória das técnicas miméticas e de seus resultados) e c) além ainda das formas de apropriação (tratamento) deste documento no tempo sua “mais declarada” materialidade (memória de uma sociologia do trabalho do documentalista por exemplo): aquilo que os indivíduos, no tempo, disseram significar, a partir do uso, esta fotografia?

Isto, acreditamos, o “neodocumentalismo” de Frohmann (2009) aborda: ao olhar um antílope no zoológico, os visitantes tecem redes de relações com outros documentos, que se multiplicam e recriam o próprio documento. Aplicações de métodos folksonômicos no âmbito das classificações parecem-nos, em certo sentido, indicar a aproximação à margem de instabilidade que o simbolismo parece provocar sobre a coisa (documento) e sua representação (informação), quando, na verdade, é ele, o complexo simbólico, e não o documento ou a informação, o “o que” que estamos a tratar. Como nos lembra Jacob (2008, p. 12), tanto a erudição – uma “leitura nobre”, diríamos – como a organização dos objetos que serão lidos – a práxis do organizador dos saberes, uma leitura intermediária, poderíamos dizer – como também (acrescentamos) a grande e contínua leitura, a “leitura ordinária”, criam (e não recepcionam, posição fisicalista; e não são alterados, posição cognitivista) o documento (esta, a posição, em um primeiro momento, bibliológica, seguida por Estivalls (1981)).

Faz-se necessário, no entanto, rever também esta visão bibliológica: o modelo do pensamento bibliológico estivalsiano não se relaciona ainda com um discurso do simbólico permitido pelo enlace entre Bibliologia, Retórica e Filologia – ou, se existe esta relação, ela é parcial e precisa ser pontuada. A posição de Estivals (1981) é: só existe o livro (o documento) se existe seu uso. Esta é a posição pragmatista clássica. Se tomada como parâmetro a força do caráter simbólico que se irrompe desde a Antiguidade na prática da Organização dos Saberes, reconhecer que o uso é, antes, uma operação simbólica. Desta forma, o próprio documento, reconhecido como tal – esta carta é um documento –, já ganha a noção que Estivals (1981) pretende dar ao tratar do caráter comunicacional dos artefatos que registram os saberes.

Algumas fontes

BRIET, S. Qu'est-ce que la documentation? Paris: Éditions Documentaires Industrielles et Técnicas, 1951. BUCKLAND, M. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, jun. 1991. CAPURRO, R.; HJORLAND, B. The concept of information. Annual Review of Information Science and Technology, v. 37, p. 343-411, 2003. ESTIVALS, R. A dialética contraditória e complementar do escrito e do documento. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 121-152, set. 1981. FOUCAULT, M. et. al. Estruturalismo e teoria da linguagem. Petrópolis: Vozes, 1971. FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004. FROHMANN, B. Revisiting “what is a document?” Journal of documentation, v. 65, n. 2, p. 291-303, 2009. FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: Colóquio científico internacional da Rede MUSSI Mediações e hibridações: construção social dos saberes e da informação. Anais... 2011. Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011. JACOB, C. Prefácio. In: BARATIN, M.; JACOB, C. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: ed. UFRJ, 2008. p. 9-17. LUND, N.W. Document Theory. ARIST, v. 43, n.1, p. 1-55, 2009. LUND, N.W. Document, text and medium: concepts, theories and disciplines. Journal of Documentation, v. 66, n. 5, p. 734-749, 2010. OTLET, P. Traité de documenatation: le livre sur le livre: théorie et pratique. Bruxelas: Editiones Mundaneum, 1934. RANGANATHAN, S.R. As cinco leis da Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.

SALDANHA, G. O fabuloso antílope de Suzanne Briet: a análise e a crítica da análise neodocumentalista. In: XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 2012, Rio de Janeiro. Anais do XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. v. 1. WITTGENSTEIN, L. O livro azul. Lisboa: Ed.70, 1992. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 2o ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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