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A distinção na informação: da "paperless society" à "society without papers"

Em 2008, o que chamávamos insistentemente de “transposição do político para o epistemológico” nos mecanismos sociohistóricos de construção de uma ciência para informação parecia ainda reportar-se à preocupação com o que, de fato, viria ou poderia ser tomado como uma “epistemologia casta” do campo informacional.

A facilidade com que argumentos políticos eram transmutados em “fundamentos científicos” – como, por exemplo, a afirmação de que éramos um campo novo, pois a sociedade da informação dependia desta anunciação – deveria, deste modo, ser contestada e a procura (de fundo epistemológico, ainda que com traços filosóficos) pela “epistemologia em sua verdade”, por sua vez, deveria seguir seus rumos críticos, principalmente a partir de Gaston Bachelard e sua aparentemente pessimista “filosofia no não”. (SALDANHA, 2008)

Como argumenta Bourdieu (2013) em seu processo de “demolição do homo academicus” , se a “cientificidade socialmente reconhecida é uma aposta tão importante é porque, embora não haja uma força intrínseca da verdade, há uma força da crença na verdade, da crença que produz a aparência da verdade”. Em outras palavras,

"[...] na luta das representações, a representação socialmente reconhecida como científica, isto é, como verdadeira, contém uma força social própria e, quando se trata do mundo social, a ciência dá ao que a detém, ou que aparenta detê-la, o monopólio do ponto de vista legítimo, da previsão autoverificadora." (BOURDIEU, 2013, p. 53)

Por trás das disputas pela “castidade” da epistemologia do campo informacional estava, no fundo, um “jogo de papéis” que nos reporta novamente à Wilf: o papel (técnica) como alegoria da “tecnologia atávica”; a ausência de ou a alegada necessidade de um (novo) papel (posicionamento) dos profissionais e teóricos que se dedicavam à organização do conhecimento diante da generalização do processamento eletrônico nos anos 1960.

Uma “sociedade sem papel” não é uma “sociedade sem papéis sociais”, muito menos, sem “distinções”. Ao contrário, o “jogo de papéis”, no campo informacional, apresenta uma condição sócio-epistêmica estruturada na dialética homem-máquina, natureza-poética.

Em sua obra, Lancaster (1978), que acumulava vinte anos depois, sistematicamente, capitais simbólicos do campo universitário categorizados pela leitura boudieusiana, como capital de poder universitário, de poder científico, de prestígio científico, de notoriedade intelectual e de poder político, não está tratando da sociedade como um todo, ainda que a obra permitisse tal interpretação. Seu foco são as sociedades científicas – objeto de estudo tradicional dos bibliotecários, objeto dos estudos bourdieusianos da ciência.

Se tais “elites epistêmicas” (os “seres cognoscentes”) produzem aquilo que chancelaremos como “conhecimento”, faz-se necessário preservar, organizar e disseminar os produtos deste saber. Eis aqui um “papel”, um devir, do profissional e do teórico deste campo no mundo social (independentemente se esta sociedade é “da informação” ou não).

Mas, como um outro campo universitário, o “campo informacional” representa um jogo de construtos simbólicos e sua “crise” tem relação direta com as mutações tecnológicas (principalmente com a querela entre devir analógico e devir eletrônico dos objetos de estudo, ou, respectivamente, a ruptura entre a idade vegetal e a idade eletrônica dos registros do conhecimento).

Lancaster (2004) é capaz de observar os dois polos desta dialética: a mudança do “papel” social dos profissionais “da informação” e a reconfiguração das tecnologias da linguagem com propulsoras da substituição do “papel” (idade vegetal) como centralidade do devir do profissional e do teórico deste campo.

Algumas fontes

BOURDIEU, P. Homo academicus. Florianópolis: ed. da UFSC, 2013.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.

BOURDIEU, Pierre. A distinção: critica social do julgamento. 2. ed. rev. Porto Alegre: Zouk; São Paulo: EDUSP, 2011.

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004a.

BOURDIEU, P. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2004b.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

BOURDIEU, P. Lições da aula: aula inaugural proferida no Collège de France em 23 de abril de 1982. São Paulo: Ática, 2001a.

BOURDIEU, P. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001b.

BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996.

FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004.

FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: COLÓQUIO CIENTÍFICO INTERNACIONAL DA REDE MUSSI. 2011. Anais... Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011.

LANCASTER, F. W. Indexação e resumos: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2004.

LANCASTER, F. W. Toward Paperless Information Systems. New York: Academic Press, 1978.

MEDEIROS, M. Recensão. Indexação e resumos: teoria e prática. Ci. Inf., Ci. Inf., Brasília, 22(2): 181-185, maio/ago. 1993

SALDANHA, G. S. Um O que é Ciência da Informação? Desafios imediatos e impactos hipotéticos da ?distinção? bourdieusiana na socioepistemologia dos estudos informacionais. In: Regina Maria Marteleto; Ricardo Medeiros Pimenta. (Org.). Pierre Bourdieu e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. 1ed.Rio de Janeiro: Garamond, 2017, v. 1, p. 72-101.. Rio de Janeiro : Garamond, 2017. p. 72-101.

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