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A informação como forma de distinção: ainda sobre a invenção neoliberal da Ciência da Informação

Antes da chegada do termo “ontologia” ao campo informacional, a trindade conceitual (“interdisciplinaridade”, “pós-modernidade” e “tecnologias da informação e da comunicação”), já estava dada: é no início dos anos 1960, quando Robert S. Taylor apresenta o primeiro conceito do neologismo “ciência da informação”, que encontramos a justificativa para tal configuração de uma “epistemologia casta”.

Apesar da rápida disseminação da expressão (o que não significa “consolidação”, mas, antes, o princípio da “legitimação” sócio-epistêmica, no sentido bourdieusiano) não importa o conjunto de problemas e de limites aporéticos que a expressão abarcava. O que importava era sua “impressão”. Nascem aqui pelo menos três paradoxos socioepistêmicos da “epistemologia casta” do campo informacional:

a) A “Ciência da Informação” é “interdisciplinar por natureza”: a simples reunião entre os conceitos de “interdisciplinaridade” e “natureza” configuram o paradoxo, como se existisse uma “natureza” na construção de uma ciência (principalmente, pela via da sócio-epistemologia) e como se, de fato, dizer a palavra “interdisciplinaridade” ou identificar a presença de diferentes saberes, indivíduos e abordagens no trato de uma questão, em um dado campo, respondesse por “interdisciplinaridade propriamente dita”; por fim, como se fosse possível, justamente na abordagem crítica trazida pela “interdisciplinaridade” contra a “disciplinaridade” em meados do século XX, o conceito de “natureza” ser aplicado à primeira, quando, no fundo, era a marca “sócio-distintiva” do segunda; por fim, como se, diante das relações (sócio-epistêmicas) entre Ciência, Estado e Mercado, o encontro entre pesquisadores com formações distintas em um espaço tendesse a ampliar os conteúdos semânticos e as aberturas de um dado campo epistêmico, quando, por outro lado, o que imediatamente se poderia prever era o confronto entre teóricos de áreas diferentes pelo uso legítimo do conceito information;

b) O “objeto” da Ciência da Informação é (o fenômeno da) a informação: o paradoxo aqui se dá por diferentes vias, que vão da racionalidade histórica à pura racionalidade epistêmica. Em linhas gerais, a confusão está em: a) este “objeto” já era estudado sob vários aspectos, com ou sem o significante “informação”, desde o século XIX, nas próprias instituições estadunidenses dedicadas à organização do conhecimento; b) este “objeto” já era abordado por outras áreas consolidadas (como a Educação) ou em vias de consolidação (lê-se aqui, agora, legitimação de uma “epistemologia casta”), e continuarão sendo abordados independentemente do desenvolvimento ou não de “uma só – e apenas uma! - ciência distinta para a informação” (em outras palavras, os biólogos, os físicos, os químicos, os comunicólogos, os educadores... enfim, todos os demais domínios especializados continuarão falando e tratando da information independentemente da existência ou não de uma ciência para informação);

c) A Ciência da Informação responde pela sociedade (da informação): o paradoxo do espaço-tempo aqui também é claramente localizado; o fato sugere uma “pretensa naturalidade contextual”, como se seu nascimento respondesse por sua morte, ou seja, a partir a alegoria rasteira do big bang, teria nascido de uma “explosão” (informacional) e respondia por um dado “momento”, mas tenderia a desaparecer quando, enfim, deixássemos de viver a sociedade dita da informação (quando, de fato, as práticas listadas, por exemplo, por Borko, em 1968, para identificar uma certa “necessidade” do “ser” da epistemologia de uma Information Science em um dado tempo-espaço, já estavam dadas no território estadunidense, e o próprio olhar borkiano o confirma em seu breve texto estruturado em uma epistemologia casta).

A partir de tais paradoxos as escolas estadunidenses que já estudavam o fenômeno (inclusive antes de Norbert Wiener, Claude Shannon e Warren Weaver) multiplicam-se os elementos distintivos, a seguir discutidos. Antes, é preciso definir, enfim, o que é information. Este, o termo catártico da distinção nos Estados Unidos dos anos 1960, nada mais é que:

...a palavra-mágica que se apresenta (e que não é nova entre os corpos e edificações nas escolas de organização do conhecimento dos Estados Unidos, pelo menos em um lastro de cem anos) como “ferramenta de distinção” na conjugação dos eixos da “epistemologia casta” e da “tecnologia salvadora”:

...no primeiro caso, ela responde pela “castidade” das ciências exatas, trazendo para a “cena” dos edifícios de Library Science e Documentation (que alteram seus nomes) a “verdade” da “epistemologia probabilística”, traduzida em Shannon e Weaver, não coincidentemente adotados como “arautos” do “novo tempo” que se instaura sobre e sob os corpos de profissionais e teóricos “da informação” (lembrando, eles próprios, antes do “milagre” conceitual shannon-weaveriano, já atuavam com o conceito de informação);

...no segundo caso, a palavra-mágica responde pelo “futurismo” dos “livros por vir” mallarmaicos, ou, ainda, das “antropotecnologias” por vir, que acontecem a partir da revisão completa dos papéis sociais de profissionais e teóricos, que serão cada vez mais “escravos” dos usuários. Enfim, information significa, primeiramente, “distinção”.

Algumas fontes

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SALDANHA, G. S. O que é Ciência da Informação? Desafios imediatos e impactos hipotéticos da ?distinção? bourdieusiana na socioepistemologia dos estudos informacionais. In: Regina Maria Marteleto; Ricardo Medeiros Pimenta. (Org.). Pierre Bourdieu e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. 1ed.Rio de Janeiro: Garamond, 2017, v. 1, p. 72-101.

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