Aggiornamento informacional: como a "ciência da informação" foi inventada
O que viria a ser a expressão “ciência da informação”...?; Como podemos responder tal questão sem partir de uma “epistemologia casta”...?; Como poderíamos trazer contribuições à indagação a partir de uma sócio-epistemologia para os estudos informacionais brasileiros e seus dilemas...?
Partindo do método bourdieusiano, é necessário inserir o seguinte quadro analítico e suas variáveis para a análise dos estudos informacionais brasileiros: gênero; raça; renda; formação; temáticas de estudo e outras categorias que permitem o mergulho naquilo para o qual Bourdieu (2013, p. 140) chama a atenção, ou seja, “a análise detalhada de biografias e bibliografias”. Em nosso caso, um pequeno mergulho na vida e no pensamento de Lancaster já permitiu enunciar conjuntos de “epifanias” e “heresias” socialmente tecidas.
Para uma socioepistemologia das distinções no campo informacional seriam elementares, ainda, as fontes de indicadores demográficos, de capital econômico e social, herdado ou adquirido; de capital cultural, herdado ou adquirido; de capital de poder universitário de prestígio científico; de notoriedade científica; e de poder político ou econômico. Levantadas no contexto brasileiro e cruzadas, as múltiplas, tênues e escorregadias (e apócrifas) subclasses de categorias de dados tendem a revelar algo que hipoteticamente chamaríamos de “ao sul da informação: resultados de uma sócio-epistemologia dos estudos informacionais”.
O problema principal que se impõe giraria em torno do "aggiornamento informacional", ou seja, do jogo ininterrupto de adaptações, atualizações, reformas, aberturas, fechamentos, ocultamentos, adornos, avanços e recuos, gerados pelo confronto, pelas polêmicas, pelas ofensas mútuas e pelos radicalismos e reacionarismos desnudados na relação entre “definição científica” e “definição literária”, para usar as palavras de Pierre Bourdieu (2013, p. 158). Trata-se do confronto permanente pelo “poder simbólico” de uso legítimo e legitimador do termo informação nas cátedras de Library Scienceestadunidenses a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos.
Ao final da análise pós-cruzamento dos dados, teremos indicadores para uma definição menos “distintiva”, de “Ciência da Informação”, ainda que jamais livre de “distinções”. Por exemplo, no Brasil, afirmar “Ciência da Informação é” sem identificar e reconhecer o número de alunos de graduação vindos de periferias dos grandes centros urbanos e de regiões economicamente desfavorecidas, favelas, zona rural, aglomerados, que adentraram e adentram o regime de distinção acadêmico pela via das Escolas de Ciência da Informação, a partir do bacharelado em Biblioteconomia nas últimas décadas, seguindo a lógica do “curso fácil de entrar” ou de “baixa concorrência”, já impregnados da categoria “menos capazes que outros”, não é responder à questão “Ciência da Informação, o que é”. Ao contrário, é reforçar a camada reproduzida de “distinções”.
O campo informacional dedica-se insistentemente ao acesso ao conhecimento, mas exclui da “classe epistêmica informacional”, ou seja, dos “indivíduos epistêmicos bourdieusianos”, aqueles que “não deveriam ali” estar por razões sócio-históricas de julgamentos – e “deverão continuar” de fora. A resposta da “epistemologia casta” dos estudos informacionais é simples, objetiva e legítima para o problema: “Ciência da Informação não é Biblioteconomia. É assim.”
Algumas fontes
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