Percurso anual teleológico: OFLClipping em perspectiva
O projeto “Observatório do Fim do Livro”, estruturado e iniciado em fevereiro de 2017, nasceu de um olhar filosófico do grupo Ecce Liber sobre a procura pela compreensão da(s) finalidade(s) do livro, conceito e (trans)artefato.
As provocações filosóficas conduziram nossos olhares para planos empíricos, chegando até a centralidade do Clipping do Observatório do Fim do Livro (OFLClipping), sua principal manifestação, cujo foco é mapear portais eletrônicos nacionais e internacionais que disseminam notícias envolvendo a cultura do livro e da informação como um todo. Isto é, garimpar notícias que discorrem, entre outros aspectos, sobre o livro, a leitura, as feiras de livro, a biblioteca, o bibliotecário, a literatura e as tecnologias de informação. O objetivo principal é apresentar um clipping semanal para a difusão das finalidades do livro tal como são concebidas no mundo todo, de modo a ressaltar sua importância não apenas para a Biblioteconomia e Ciência da Informação, como também para todas as áreas do conhecimento.
Desde a apresentação do primeiro clipping, em 03 de fevereiro de 2017, o OFLClipping perpassou os mais diversos cenários nacionais e internacionais do universo bibliográfico, terminando 2017 com 27 semanários teleológicos. As notícias veiculadas nos portais eletrônicos de cada continente mapeado nos dão uma pequena amostra sobre a cultura informacional dos mais diferentes países. É uma visita aos cenários bibliográficos mundiais através de um clique.
A Ásia, apesar da censura e dos desmandos de seus governos, não hesitou em medir esforços para criar mais e mais bibliotecas e desenvolver projetos de leitura, bem como expor suas opiniões sobre as questões políticas e sociais que assolam seu continente. Pudemos acompanhar a criação da biblioteca mais cara já construída na Rússia, que oferece livros raríssimos; como também, a inauguração da maior biblioteca-jardim do mundo, no Irã. Vimos a inauguração de uma biblioteca em Bangkok, que tem como intuito incentivar as práticas de leitura. Em Singapura, paramos nos pontos de ônibus construídos para promover um espaço de sociabilidade e atrair mais leitores e nas bibliotecas “offshore” da China, construídas em navios. Chegamos à Faixa de Gaza, onde, em meio à tantos conflitos, testemunhamos o surgimento de uma biblioteca pública destinada aos livros de língua inglesa. No Iraque, vimos surgir uma biblioteca itinerante que visa estimular a criação de clubes de leitura. Na Jordânia, apreciamos os esforços da população para salvar uma livraria de livros raros ameaçada de fechar. Na Índia, vimos a criação de uma biblioteca comunitária voltada para crianças e jovens. Celebramos as feiras literárias em Macau, Irã, Dubai, Tailândia e China, que buscaram não apenas promover o mercado editorial, como também, abrir as portas para novos escritores e para as discussões acerca dos problemas humanitários internacionais, em especial, a crise dos refugiados. Vimos a UNESCO elencar Sharjah, nos Emirados Árabes, como a “Capital Mundial do Livro” para 2019. Contudo, apesar dos esforços para o desenvolvimento de uma cultura informacional livre, também vimos a censura perpassar o continente asiático, sobretudo no Oriente Médio. As críticas ao governo islâmico sofreram grave reprimenda em países como Turquia e Bangladesh, que publicaram e comercializaram livros que ofendiam o fundamentalismo; redes de notícias na Arábia Saudita tiveram todo seu conteúdo removido, em decorrência de uma decisão arbitrária do governo, por publicarem material que violava às leis do país.
Em África, compreendemos que, apesar das inúmeras barreiras políticas, econômicas e sociais que influenciam em suas relações com o universo informacional, seus esforços são exaustivos no que tange às atividades de promoção do livro e da leitura entre jovens e adultos. Visitamos às feiras do Egito e da Angola, que buscaram promover a integração cultural através da abertura do mercado editorial para os jovens talentos; as festas literárias da África do Sul, que suscitaram importantes debates entre os escritores sobre as questões sociais. Por meio da literatura publicada na África, pudemos conhecer um pouquinho mais sobre a realidade das mulheres que ainda vivenciam os radicalismos de uma sociedade patriarcal. No Quênia, Zimbábue e Marrocos, vimos as ações de bibliotecas e escolas para incentivar os hábitos de leitura e usos das tecnologias de informação.
Na América do Norte, acompanhamos a ascensão do governo Trump e, com isso, o desenvolvimento das fake news e o renascimento dos romances distópicos. Na era da pós-verdade, nos deparamos com as bibliotecas nos Estados Unidos, que desenvolveram técnicas para checar a veracidade das informações e conscientizar seus usuários acerca da utilização correta das fontes de informação. Vimos também o ressurgimento e as novas interpretações da distopia do século XX de autores como George Orwell, Margaret Atwood e Aldous Huxley que, ainda nos Estados Unidos, lideraram as vendas após a eleição de Donald Trump, tamanha incerteza e medo da população sobre o futuro. Contemplamos as livrarias do país abrirem suas portas para discussões políticas, tornando-se palco de palestras de ações contra o governo Trump e disseminadoras de informações sobre os atos de resistência. Com isso, vimos a defesa da American Library Association à liberdade de leitura e acesso à informação na “Semana de Livros Proibidos”. Observamos as bibliotecas comunitárias nos Estados Unidos, que serviram como verdadeiros santuários para os imigrantes e a criação de um sistema de leitura nos metrôs de Nova York. No Canadá, acompanhamos o primeiro inventário já realizado em uma biblioteca da Universidade de Toronto, que promete desvendar preciosidades, e a discussão acerca do salário de funcionários de bibliotecas públicas em Vancouver. Comemoramos, no México, o cinquentenário da publicação de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez.
A partir da América Central, vimos o grande destaque que o continente dá às feiras de livro, com o intuito de promover o mercado editorial, bem como o livro e a leitura. Descortinamos os festivais literários em Cuba, que buscaram resgatar o caráter educativo da leitura; a feira da Costa Rica, que celebrou a literatura e a cultura costa-riquenhas; no Panamá, o festival literário ofereceu oficinas e debates sobre temas como xenofobia, violência contra as mulheres e redes sociais; e, na República Dominicana, abordamos a inauguração de uma feira de livro destinada ao incentivo dos hábitos de leitura em alunos de escolas públicas. Na Nicarágua, observamos um encontro literário que realizou a leitura de poesia e prosa que abordam temáticas com ênfase nas questões de gênero, a fim de estimular o empoderamento feminino; e um projeto que visa a leitura de contos e poemas infantis para crianças nicaraguenses. Acompanhamos os esforços de acadêmicos para salvar documentos históricos cubanos antes que os mesmos fossem perdidos. Vimos também os ataques cibernéticos na Guatemala, que envolveram arquivos empresariais, dados governamentais e informações pessoais.
No continente sul-americano, vimos, no Brasil, a crise nas grandes livrarias e nas bibliotecas. Celebramos a grande Bienal do Livro do Rio e as editoras independentes da FLIP; acompanhamos a Biblioteca-parque de Manguinhos ser ocupada para atividades educacionais; e as editoras e livreiros recorrerem à criação de edições e feiras de livro independentes. Vimos o encerramento das atividades da Briquet de Lemos. Os ônibus-biblioteca, que ocuparam vários bairros do Rio de Janeiro e os projetos de leitura que incentivaram a formação de leitores em Belo Horizonte. Vimos, ainda no Brasil, a visita de operários que trabalham na restruturação da fachada da Biblioteca Nacional às salas de leitura e corredores. Na Colômbia, tivemos a instalação de bibliotecas itinerantes em zonas de guerra afetadas pelas FARC, com o objetivo de incentivar os guerrilheiros a abandonar o conflito armado e se reintegrar na sociedade. Nos bicicletários públicos do Peru, instalaram-se estantes de livros para que os moradores da região emprestem e tomem emprestados os mais diversos títulos. No Chile e na Argentina, vimos os festivais literários voltados para jovens, crianças e novos escritores. Acompanhamos a recuperação de documentos perdidos durante a ditatura chilena. No campo literário, nos deparamos com os manuscritos raros de Clarice Lispector no Brasil e as pessoas, lugares e conceitos mapeados nas obras de Jorge Luiz Borges, na Argentina.
Com a Europa, vimos, sobretudo, os estudos históricos e sociais do livro, da leitura e das bibliotecas. Na Inglaterra, acompanhamos o bicentenário da morte de Jane Austen e descobrimos impressos de William Caxton datados de 1470, lamentamos os cortes realizados em bibliotecas públicas britânicas e nos indignamos com o roubo milionário de livros raros e com o assédio sexual no mercado editorial. Vimos o leilão de livros valiosíssimos de uma biblioteca histórica da Irlanda. Rememoramos, na França, a censura que o romance Madame Bovary sofreu quando publicado, a revolução do conceito de biblioteca e os esforços de livreiros independentes para a criação de uma plataforma online. Em Portugal, vimos as bibliotecas municipais abertas até meia-noite e as novidades de uma feira de livro em Lisboa. Nas bibliotecas alemãs, desvendamos a existência de obras confiscadas e saqueadas pelo regime nazista, bem como, na Holanda, o uso de inteligência artificial para encontrar o traidor de Anne Frank. Acompanhamos jovens em Bolonha irem às ruas protestarem contra o uso de catracas em bibliotecas, as discussões sobre as questões de gênero na Itália, a partir dos contos de fada reescritos sob perspectivas imparciais e livres de preconceito, e as bibliotecas históricas de Roma, que abrigam acervos de inúmeras personalidades italianas. Comemoramos a revitalização de uma tradicional feira de livro na Espanha, a fim de atrair novos públicos. Vimos a criação de uma biblioteca itinerante para estimular os hábitos de leitura na Espanha e também na Grécia, direcionada aos refugiados.
Na Oceania, o mercado editorial australiano foi o grande protagonista dos portais eletrônicos. Acompanhamos, através dos eventos literários, o surgimento de inúmeros novos autores, principalmente mulheres e escritores especializados em ficção infanto-juvenil, que dominaram as publicações desse ano ao abordarem questões sociais como gênero, violência, opressão, resistência e racismo, tão em voga nos tempos atuais.
Ao longo do ano de 2017, vimos todos os continentes perpassarem múltiplas questões que envolvem o universo bibliográfico e informacional como um todo, seja a partir de uma perspectiva histórica, filosófica, política ou social. Percebemos, com o OFLClipping que, apesar dos diversos obstáculos sofridos pelos países mapeados para o desenvolvimento de uma cultura informacional, os mesmos não mediram esforços para incentivar o livro, a leitura e as bibliotecas.