Ciência da Informação: janelas epistemológicas
A constituição do campo científico da Ciência da Informação (CI), bem como do seu estatuto epistemológico, é ainda uma questão em aberto, apesar de todos os argumentos e afirmações colocados pelo pluralismo metodológico das ciências sociais e das suas perspectivas interdisciplinares e transdisciplinares (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2001; MARTELETO; SALDANHA, 2016; MELOGNO, 2013; MOSTAFA, 1985, 1996, 2005).
Para González de Gómez (2001, p.5-6), por seu “caráter estratificado”, a informação permite a existência de inúmeras possibilidades de articulação dos estudos do campo, sejam eles pela via semântica, sintática, institucional e infra estrutural, além de sempre “ensejar uma disputa conceitual em arenas metadiscursivas”.
Para a autora essa disputa não deveria ser olhada como um “duplo opaco da epistemologia, em sua versão iluminista de uma meta-ciência”; mas sim, ao mesmo tempo, juntamente com “a epistemologia, um campo de explicitação de formações sociais de meta-conhecimento”, que necessitam ser investigadas em termos de uma “leitura conjunta ou transversal de questões e conceitos”para fins de esclarecimento das duas disciplinas.
Dessa forma, conforme argumento de Melogno (2013), o que podemos apontar historicamente, é, justamente, como uma espécie de convergência e consenso na área, um debate e uma busca de índole filosófica e epistemológica que fundamente e legitime o desenvolvimento das pesquisas no campo CI. Para esse autor, o que existe na literatura específica da área são intentos de definição que buscam consolidar as pretensões de conhecimento da área, bem como justificar as suas relações com as outras disciplinas científicas que, no momento, se encontram sob forte influência das ciências sociais e de perspectivas pós-modernistas. Enquanto exemplos dessa configuração histórico-epistemológica e filosófica do campo da CI o autor aponta desde os estudos de Egan e Shera (1952), Shera (1972), passando por Borko (1968) e Capurro (2003), até os trabalhos de Araújo (2003) e Mostafa (1996).
Acrescentamos a essa lista, como uma ratificação do que se opera no campo da produção do conhecimento da CI, González de Gómez (2001) que identifica a apresentação da ciência da informação ora como ciência empírico-analítica, ora como meta-ciência, ainda que nos últimos anos tenha explorado, um pluralismo metodológico próprio das ciências sociais e de um campo interdisciplinar.
No entanto, é em Mostafa (2005) que encontramos uma linha de reflexão mais explícita que pode nos ser útil para a caracterização do campo e da produção do conhecimento da CI. Em uma apresentação num simpósio internacional da área, a autora nos fala acerca das dificuldades e ao mesmo tempo da riqueza que as perguntas sobre o que é a informação e a própria CI e promovem.
Em sua argumentação, ela nos chama a atenção, mais do que na própria definição, para o contexto em que as correntes e olhares sobre a CI são formados. A metáfora que ela nos dá acerca da CI e o seu objeto se situa no prisma da própria transdisciplinaridade. Aponta, ainda, que nessa perspectiva o processo não deve ser procurado apenas com a enunciação de novos conceitos ou definições. Isso não traria novos ou melhores resultados daqueles que as diversas correntes e teorias no campo da CI já tentaram.
Sua análise nos sugere, fruto da sua própria trajetória intelectual e cientifica, que, para que possamos alcançar uma definição acerca do que seja Informação a partir das potencialidades do seu uso social, olhemos a produção do saber na CI em termos das suas relações com as outras áreas de conhecimento.
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