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Sofística cibernética e barbárie

Da política na mão dos pilotos inconsequentes...

Atualmente os potenciais ou falsos segredos de Estado são adotados como verdade, e, mais do que isso, como salvaguarda no contexto público para as verdades ocultas. Por sua vez, existe uma “produção pública de segredos”, das (in)transparências governamentais aos perfis individuais garimpados em redes sociais, gerando a acumulação simultânea e massiva de dados para exploração, domínio, controle.

Pouco importa, segundo os preceitos persuasivos da pós-verdade, se um dado segredo é falso, ou é verdadeiro. Sua propagação condiciona, em termos de McLuhan, sua condição de crença de verdade. E o jogo de publicização de discursos (secretos) que se querem (pós)verdades pertence a uma categoria tradicional da filosofia da informação, a arte de produzir e de decifrar códigos.

Eis o projeto inicial de Claude Shannon naquela que, para muitos, representa a núcleo autorial de uma teoria informacional: uma ferramenta capaz de decifrar códigos. Eis a mesma posição da máquina de Alan Turing. Eis a racionalidade do Estado Metainformacional através dos arcana-informatio: a institucionalização de uma tecnologia capaz de fundar uma metalinguagem própria para a dominação (ou para lutar contra a sua extinção).

Trata-se de um jogo entre o público e o privado, onde as categorias do segredo e da publicidade de conteúdos entram em uma espiral no big data e são manipulados conforme os interesses daqueles que controlam a máquina cibernética.

A reflexão sobre o segredo e a pós-verdade no Estado Metainformacional coloca em cena uma das mais antigas problemáticas da filosofia da linguagem: a luta entre uma estrutura ontológica do pensamento, como base para a própria filosofia se constituir, e uma estrutura lologógica, segundo a visão e o léxico de Barbara Cassin (2008), espaço este que seria ocupado pela retórica (tomada genericamente como arte urbana oposta à verdade). Na visão marxista de Bakhtin (2006), diríamos estar diante, sob o ponto de vista logológico, da constante ideológica da linguagem.

Em outras palavras, a pós-verdade poderia ser considerada a prova de uma sofística informacional, ou, ainda, da sofística cibernética, filha também da Retórica. A partir do big data, a construção de discursos que simulam e falsificam fontes e “verdades” é potencializada às proporções incalculáveis e às consequências mais catastróficas possíveis, que nos levariam de volta à barbárie nas sociedades hoje ditas civilizadas.

Contudo, pensar a sofística cibernética como um problema ético de natureza contemporânea é negar, pois, a longa disputa teórica sobre a questão (e tomar a retórica isolada da gramática e da lógica, o que não nos permitira reconhecer a dimensão da pós-verdade hoje, estruturada em vias lógico-matemático-simbólicas, nem suas relações íntimas com o segredo, nem seus fundamentos superestruturais). Essa disputa pode ter Aristóteles e a sua visão sobre a definição do homem como a mais clássica análise de origem do problema. Nosso contexto hoje nos leva ao recuo maior, no entanto... Sócrates e a crítica do poder da linguagem (a partir dela, da própria linguagem).

Referência

SALDANHA, Gustavo Silva. Trivium, arqui-segredos e pós-verdades: Dos arcana imperii ao império simbólico no estado metainformacional. International Review of Information Ethics, v. 26, p. 91-103, 2017. Disponível em: <http://www.i-r-i-e.net/current_issue.htm>. 02 abr. 2018.

Outras fontes

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